"Os nigerianos foram criados para achar que as mulheres são inerentemente culpadas. E elas cresceram esperando tão pouco dos homens que a ideia de vê-los como criaturas selvagens, sem autocontrole, é de certa forma aceitável. Ensinamos as meninas a sentir vergonha. 'Fecha as pernas, olha o decote.' […] O problema da questão de gênero é que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero."
{Chimamanda Ngozi Adichie, em “Sejamos todos feministas”}
MENININHA NOVA! MENININHA NOVA! MENININHA NOVA!
Foi assim que eles me chamaram, gritando, no meu primeiro dia de aula.
Eu tinha 4 anos então.
Não conhecia a escola.
Não conhecia ninguém, praticamente.
Eu só lembro de ter ficado apertado, com vontade de fazer xixi, mas com vergonha demais de perguntar a qualquer um onde era o banheiro. Por isso, quando vi um, fui logo entrando.
Os meninos me viram entrar e não disseram nada.
Mas eles se reuniram e me esperaram na saída.
Foi daí que começaram a gritar, a me empurrar, e a rir.
MENININHA NOVA! MENININHA NOVA! MENININHA NOVA!
Apavorado, sem entender, eu voltei para o banheiro e nenhum deles ousou me seguir. Nenhum deles podia cruzar aquela linha imaginária sem virar menina também. O que eu lembro é de correr até o espelho e ver meu reflexo muito pálido, de olhos arregalados e, pior, decepcionado.
Era mentira.
Eu não havia virado uma menina...
Mas eu queria virar, porque não conseguia suportar a ideia de ser como aqueles meninos lá fora.
As meninas entraram no banheiro, então.
Foram elas que me disseram para parar de chorar. Que estava tudo bem e que os meninos eram uns idiotas mesmo. Foram elas que me explicaram que aquele banheiro ali era o delas. Que o dos meninos ficava do outro lado. Mas que eu não ficasse com vergonha, que isso acontecia mesmo e que logo, logo eles me deixariam em paz.
Foi ali, eu acho, que entrei para o universo delas, mesmo não tendo virado menina também. Foi ali que eu entendi que eu sempre estaria do lado de quem vai em busca do outro. De quem ajuda do jeito que pode. De quem acolhe. De quem cuida. De quem sente muito.
Hoje, eu sei que isso tudo não é traço natural das mulheres. Sei que gênero é uma construção. Mas se é assim que nossa sociedade insiste em ver as coisas, é do lado das mulheres que eu quero e sempre vou estar.
🚪Coloque cor na sua vida.
🌊E que tal um quadro líquido para chamar de seu?
🪡 Por fim, conheçam, por favor, a arte da Andréa Orue.
A todas as mulheres que assinam e acompanham esta News, fica aqui meu reconhecimento, minha gratidão e minha homenagem por vocês participarem tão ativamente da construção de um mundo mais humano.
Contem comigo para o que for preciso!
Estamos juntos desde sempre.
Me reconheci na tua experiência com o banheiro. No meu caso, era porque tinha cabelo comprido e era rotineiramente confundido com uma menina. O dia em que voltei à escola depois de ter o cabelo cortado (não por opção minha), houve espanto e troça. Ao longo da vida, foram principalmente as meninas e mulheres que me fizeram companhia e parceria, sugerindo mundos que hoje eu chamo de mais humanos. Obrigado pela partilha sensível! ❤
Eu fico sempre impactada ao ver que crianças podem ser maldosas tb. Eu sei que elas aprendem rápido e representam os valores da família, dos adultos com quem convivem, mas não deixo de me preocupar. Tenho dois meninos e preciso a todo momento me policiar para não passar para eles comportamentos que corroborem para uma divisão equivocada entre meninos e meninas.
Semana passada, Eduardo voltou da escola me contando que uma colega estava lavando a louça para a mãe e esqueceu a torneira ligada e inundou a cozinha. Ele ria e eu tb, então eu perguntei, e você contou pra ela que também lava e seca louça para ajudar a mãe? E ele me olhou sério e disse : Bem capaz! Todos iriam rir, mãe! Isso é coisa de menina! Juro que respirei fundo umas 10 x até responder com calma que vergonha era ter quase 10 anos e não saber lavar uma louça! Vergonha era não ajudar a mãe com os deveres de uma casa que é de todos, onde todos comem, dormem, sujam, brincam. Vergonha era achar que todo o serviço doméstico é responsabilidade das mulheres. Ele ouviu, concordou, mas, sinceramente, eu fiquei triste por ele. Os meninos podem ser cruéis mesmo.