

Discover more from Leu? Li, nné!
"Sim, menino! Isso mesmo. Tem uma festa acontecendo bem aqui, porque estou dançando ao som da música que nasce da minha loucura. É por isso que, toda vez que ando pela rua, meus quadris balançam de um lado para o outro, porque estou dançando ao som da MINHA loucura! E todo esse tempo achei que tínhamos desistido de nossos tambores. Mas eles ainda estão aqui. Eles estão aqui. No meu jeito de andar, no meu vestido, no meu estilo, no meu sorriso e nos meus olhos. Estão dentro de mim, me conectando a tudo e a todos que já existiram".
{George C. Wolfe, em “The colored Museum”, citado por Viola Davis, no “Em busca de mim”}
Para mim, ler não é um exercício intelectual. É uma experiência de vida.
Eu não leio sobre uma mulher negra e sua dor ao ver os ratos devorarem o seu futuro. Eu sou essa mulher. Minha carne se pinta de preto retinto, meu sexo se abre em fenda e sangra. Eu sou essa mulher. E o rato. E o futuro todo roído.
As palavras fazem isso comigo.
Então, entendam, quando eu era adolescente - e ainda mais intenso -, eu li sobre um homem considerado louco e sua internação em um manicômio. Automaticamente, fui parar lá, ao lado dele. E uma parte minha jamais saiu daquele lugar.
Por anos, meu sonho foi exatamente este: o de ser internado num manicômio.
Hoje, sei o quanto isso diz sobre mim e sobre o lugar em que fui criado. O livro era uma espécie de denúncia. E basta estudar um pouco o histórico do tratamento dos transtornos mentais no Brasil para entender o absurdo que é essa frase. Mas não importa.
Era esse meu sonho. E, de vez em quando, ainda é. Apesar do horror. Ou por causa dele, não sei. Porque na minha loucura há espaço para o horror também.
Acontece que eu pensava assim: um manicômio é o único lugar, único, em que eu poderia ser quem eu quisesse. Até eu mesmo… Quer loucura maior do que essa?
Num dia eu poderia ser uma árvore. Ficar parado e mudo e por toda a tarde, esperando os passarinhos fazerem ninho em mim. No dia seguinte, poderia ser criança de novo, brincar até cansar de colorir as paredes brancas do meu quarto, provavelmente apanhando como castigo. E eu queria até isso, apanhar, entendam.
“Eu juro que é melhor
Não ser um normaaaaaal
Se eu posso pensar que Deus sou eu!”Ney Matogrosso, em “Balada do louco”
Às vezes, eu acho que virei artista só para ter a licença poética de ser louco. Só para autossabotar meu sonho de ser internado num manicômio. Só para ter uma justificativa para deitar no chão quando eu preciso. E Deus sabe como eu preciso deitar no chão de vez em quando. Não, não. Não estou louco. Só deitei aqui porque estou fazendo uma foto. Ou um vídeo… Ou ganhando uma nova perspectiva para escrever um texto. Coisa de artista, sabe?!
Às vezes acho que escolhi a arte pela sua proximidade com a loucura. Só porque entre os artistas é normal ser… excêntrico. E fora do centro - de qualquer centro - é tudo que eu sempre fui.
Um homem de 35 anos que ainda brinca de lápis de cor, que ainda deita no asfalto, que fala e ri sozinho, que se intoxica daquilo que lê e acredita em paixão, em brilho no olho, em contos de fadas… Quando será que alguém vem me salvar?
Um homem desses só tem duas vias aqui: ou a loucura ou a arte. Ou manicômio ou a exposição. Ou um Haldol na veia, ou uma vernissage.
Eu escolhi a arte, mesmo querendo tão fortemente, de vez em quando, uma lobotomia.
🍂 Só a arte admite certas existências partidas.
💀 Eu olho para um quadro desses e me vejo ali.
☄️ Quero morar nas esculturas de vidro do Jeremy Sinkus (sério, veja os vídeos delas em ação).
🪬 Olha também essa tatuagem, pelo amor de Deus, eu quero!
🫀Ah, e quem quiser dançar comigo, clique aqui que eu canto minha loucura. ❤️
"Estou dançando ao som da minha loucura!"
Este texto muito me intrigou...ainda não vi as recomendações, quero ver todas com calma porque parecem muito interessantes. O texto mexeu comigo em um lugar de compartilhamento mas também de indignação. Me deu vontade de comentar que, artistas ou não, somos todos um pouco loucos.
Mas por outro lado, ser um louco diagnosticado, sentir o preconceito disso na própria pele, estar em uma internação real (onde, não, você não pode escolher o que quer ser. É um local de prisão do corpo e entorpecimento da mente)...tudo isso, que eu enquanto artista sei o que é ser me faz refletir sobre como respeitar o local de fala mas ainda sim haver liberdade de fala no local da arte (pois sim, essa liberdade é altamente necessária). Bom, coloquei algumas reflexões para fora. Dito isso, gosto muito da sua escrita, é apenas o segundo texto que leio...e pretendo continuar acompanhando.
Vou me despedir com um Axé (e nunca tive contato com as religiões africanas)...escolhi me despedir assim apenas porque sou artista e louca.
Vinícius, bom dia!
Esse seu texto me lembrou Nise da Silveira, uma psiquiatra revolucionária que acreditava na arte como forma de cura, canalização, ressocialização e afeto. Talvez não queiramos, de fato, ser submetidos a certos esteriótipos da loucura, mas legitimar passos tortos e "fora do padrão".
Acredito na arte como forma de lastro.
Boa sexta!