"De vez em quando Deus me tira a poesia"
"De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo".{Adélia Prado, no poema Paixão, publicado em 'Poesia reunida’}
Não há poesia possível para uma segunda-feira de manhã.
Ou melhor: há apenas as poesias possíveis. Aquelas protocolares, didáticas até. Poesias ensinadas nas aulas de Língua Portuguesa, para se separar verbos e advérbios. Poesia com cheiro de giz e cor de quadro-negro - que no final é verde mesmo.
As poesias impossíveis, aquelas de nos deixar sem ar, as que falam de paixão e de vida, de tesão e de intensidade, estas ficam todas guardadas para uma sexta-feira à noite qualquer.
E agora é segunda.
Estou sentindo a vida assim hoje: limitada pelo possível. Pura pedra de rolar morro acima. Deveres, afazeres, compromissos, mensagens que chegam e exigem resposta. E nunca é a resposta que se quer dar, pode reparar.
Desejo, falta, devaneio, loucura, delírio…
Tudo que alimenta a boa poesia é adiado indefinidamente.
É jogado para um outro tempo, menos atribulado, mais… etéreo. Um tempo que não existe aqui, entre as anotações das agendas, dos planners e das listas de tarefas a cumprir.
Hoje, eu só queria uma sexta-feira no meio da minha segunda. Como uma pedra no caminho. Não na qual se tropeça, claro, mas uma pedra imensa, gigantesca, na qual se senta para descansar.
Hoje eu só queria descansar.
Das obrigações, dos compromissos todos, dessa mistura de fim de ano e fim do mundo, como se lê à exaustão nas redes sociais. Hoje, eu queria uma folga da minha própria vida, do jeito como ela se construiu.
Sim, porque hoje não me parece que eu tenha construído muita coisa. Não me parece que algum desejo meu tenha entrado entre tudo que eu TENHO QUE fazer. Há muitas obrigações e poucas distrações na segunda-feira.
Entre as pilhas de tarefas e lições, não há espaço para a poesia.
E toda pedra vira peso de papel.
Para quê tanto papel? - pergunta meu coração, parafraseando Drummond. Porém minha consciência não pergunta nada. Caneta em punho, vai distribuindo certos e errados, sem certeza de conseguir chegar ao fim do dia.
Hoje estou um pouco desorientado. Um pouco sem inspiração. Um pouco sem poesia mesmo. E, de repente, até o prazer de escrever esta news se esvai. Tudo é tarefa a riscar numa lista imensa que sempre se renova e multiplica. Cada tarefa feita substituída por duas a fazer.
É segunda. E, por isso, não há espaço para os filmes compridos, como aquele que me disse uma vez: “Não se contente em apenas sobreviver”. Não há espaço para os livros cheios de sentimento que inspiram news. Não há espaço para os cochilos depois do almoço, com direito a sonhos e sem hora para acordar. Não há espaço para as paixões que soam como música ao longe.
Não há espaço. E isso sufoca. A vida sufoca.
É uma vida de segunda.
Pois é.
De vez em quando, Adélia, Deus nos tira mesmo a poesia. Mas deixa as pedras. Assim, duras, cinzas, frias - sem significar nada. Nada mesmo. Britas no caminho. Mas no caminho pra quê?!
Isso Ele não responde.
Nem você, nem eu sequer perguntamos.
Só vamos, em plena segunda, pisando em versos e esmagando rimas.
Só porque é preciso ir, vamos. Com os olhos baços de sono, fixos no que precisamos porque o que queremos…
Ah, o que queremos mesmo… nós nem sabemos.
🪶 Aqui ainda há poesia, no voo dos pássaros que não é somente voo, é arte!
🗝 Esse vídeo me pegou. E vai pegar você também, tenho certeza.
📸 Ela sempre me faz sentir que há poesia no cotidiano. E se você não a conhece, vale a pena.
🪣 Apesar disso, tenho me sentido assim.
🌷 Este site não coloca uma sexta na sua segunda, mas promete colocar a sua rua na Holanda. Eu testei aqui e gostei do resultado, viu?!
4. Hoje não tem poesia, mas pode ter a sua contribuição. Basta enviar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Afinal, como escreveu Gullar, o preço do feijão não cabe no poema.
No mais, até segunda que vem. Talvez, até lá, Deus nos devolva a poesia. 💟