"Você se transformou numa máquina de dar aulas. Numa máquina de dar explicações. Numa máquina de ei, já pedi silêncio. Numa máquina de ei, preste atenção. Uma máquina de não pode ir ao banheiro agora. Numa máquina de paciência para não espancar aqueles alunos que não querem saber nada de orações subordinadas. Você também não quer saber de orações subordinadas. Mas escola foi feita para isso. Foi feita para aborrecer os alunos. E você sabe que é parte dessa chateação. […] A cada turma que você entra, a cada hora gasta da sua vida, você vai sentindo que está no lugar errado. Você precisa ser honesto consigo mesmo: você não sabe como se tornou professor. A maioria das coisas importantes na sua vida parecem ter acontecido alheias a sua vontade."
{Jeferson Tenório, em 'O Avesso da pele'}
Você já entrou em algum lugar, um restaurante, uma loja, um café… E conseguiu sentir que o sonho ali já havia acabado?!
É algo nas paredes descascadas, nos pratos riscados demais, nos funcionários escorados no balcão com cara de tédio, sim. Mas é algo impalpável também. É um vazio que se sente: alguém desistiu ali.
Alguém desistiu em algum momento e o negócio só segue aberto por inércia. Meio porque fechar daria mais trabalho. Meio porque quem sonhou não sabe o que fazer de si quando acordar.
Nas férias, eu experimentei essa sensação algumas vezes em Torres. Especialmente em um restaurante no qual fomos. Visivelmente, o lugar já tinha passado por tempos melhores, muito melhores.
Eu quase conseguia imaginar a ideia do dono: vou vender tudo em outra cidade e abrir um restaurante à beira-mar! Isso sim é que é vida! Trabalhar no que se ama, ouvindo as ondas, vendo o pôr do sol todo dia…
Todo dia…
Quanto tempo levou, será, para ele se esquecer dessa ideia? Para superá-la? Para o “todo dia” virar só desânimo e tortura? Ah, o desejo… O desejo é sempre fugidio. Quando o realizamos, ele morre. E nem todo mundo sabe lidar bem com cadáveres.
Os lugares fecham ainda abertos, sim.
Mas nós não somos muito diferentes.
A segunda-feira de manhã é especialista em nos mostrar isso no espelho do banheiro: viramos máquinas - de luzes apagadas. Repetimos os mesmos movimentos de todos os dias, com a mesma expressão, numa mistura de sono e desgosto, enquanto lavamos o rosto e escovamos mecanicamente os dentes.
Cadê a luz que houve ali um dia? Cadê o encantamento com o trabalho novo? Cadê a paixão quando ela estava apenas começando? Cadê os motivos todos para se fascinar pela vida? Cadê nossos sonhos, nossos planos, nossas resoluções de ano bom?
“Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido”.{Álvaro de Campos, em ‘Tabacaria’}
Toda vez que trabalho com este poema, minha realidade se rompe um pouco. Aconteceu na sexta à noite. Tomado pela indisposição de Álvaro de Campos (na verdade, Fernando Pessoa), eu comecei a me sentir como aquele restaurante na praia. Como essa máquina de doces. Como o personagem do Jeferson Tenório. Como uma coisa, enfim, despida de qualquer sonho, limpa da subjetividade, dos quereres, da graça da vida, sabe?!
Afinal, de que adianta sonhar tanto, se a realidade se impõe?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta
ao pé de uma parede sem porta”{Álvaro de Campos, em ‘Tabacaria’}
Não canso de repetir que amo o que faço. Mas em que momento isso se tornou mais uma autoafirmação do que uma verdade profunda? Em que momento eu parei de esperar ansioso pela segunda de manhã e tudo ficou assim, tão indiferente?
É o lugar? São as pessoas? É o fato de que, como disse um amigo “a gente está cada ano mais velho, mas eles [nossos alunos] terão sempre 15 anos”?
Não sei. Sei que me senti vazio esta semana, como aquele restaurante na praia. Sei que me senti uma máquina de repetir lições. Sei que me senti sem luz por dentro.
Mas também sei que isso passa.
Também sei que a vontade de sonhar é sempre maior. E toda vez que o fogo ameaça se apagar, algum ar novo vem e inflama tudo outra vez. Acho que é isso, no fim. Sinto falta de incêndios aqui. Daquilo que apaixona, ilumina, faz ter vontade de viver emocionado outra segunda qualquer.
Enquanto a vontade não vem, sigo preenchendo as lacunas com arte. Afinal, como escreveu Neruda: "Se nada nos salva da morte, que a arte nos salve da vida".
E talvez seja isso mesmo. Talvez a arte seja a única forma de escapar da rotina, da mesmice, da mediocridade. Talvez a arte seja a única forma de se sentir vivo, de se sentir humano, de se sentir único.
Talvez a arte seja o meu sonho.
E talvez eu não precise desistir dele.
Talvez eu só precise encontrá-lo em outro lugar.
Em outro restaurante à beira-mar.
Em outra máquina de doces.
Em outra sala de aula.
Em outra pele, que não a minha.
💛 Adoro quando recebo uma mensagem do tipo: “Vi esse vídeo e lembrei de você!”
✨ A maravilha precisa de tão pouco para se revelar, né?!
🫣 Por que que a gente é assim?
✍️ Um exercício prático para nos lembrar dos nossos porquês (em inglês - a ideia é escrever “Coisas que eu amo” em cada espaço)
😍 Eu PRECISO de um desses! Que lindeza! Eu nem saberia qual escolher!
4. Mandar um pix de qualquer valor (qualquer mesmo!) para: vinicius.linne@gmail.com. Assim posso economizar e comprar um quadrin pra eu voltar a ser feliz de novo (pelo menos por uns… dois dias?!). 🥹
No mais, nossa conversa segue sempre no Instagram.
Até lá. 💛