"Você é forte o suficiente para desejar"?
"— Às vezes penso que toda a minha vida pode ter sido um erro. Que talvez eu tenha errado o caminho em algum momento e tudo o que eu fiz desde então não tem sentido. É por isso que muitas vezes eu sinto inveja de você, como já disse antes.
— Do que você tem inveja?
— É que você é forte o suficiente para desejar coisas que não pode ter."
{Haruki Murakami, em 'O assassinato do Comendador - Volume 2’}
Eu me sinto, às vezes, arrastado pelas coisas vãs.
E é assim que eu perco o sentido de tudo.
Das aulas para dar, dos relatórios para preencher, das recuperações para aplicar, da poeira que insiste em se acumular sobre os livros, só para ser retirada depois… Sempre depois.
E tudo para quê?!
Tudo para quê, se a vida é tão mais embaixo e é toda por dentro?
“Eu estava me sentindo como se eu tivesse entrado num elevador e ficasse subindo e descendo à medida que as pessoas apertavam o número do andar, sabe?! Eu estava me sentindo como se eu não soubesse exatamente onde eu estava indo e, portanto, eu estava subindo e descendo nesse elevador à medida que as pessoas apertavam o 5º ou o 1º andar, ou o 7º, ou o 2º…
E eu ia subindo e descendo, parando em andares que eu não escolhi.
A minha cabeça estava muito bombardeada e muito guiada por comandos que não eram meus. Parece uma coisa um pouco assustadora quando eu digo, mas, na verdade, eu acho que todos nós, que vivemos nesse tempo especificamente, em que a gente precisa fazer muitas coisas, em que a gente é mandado em muitas coisas, tem horas que parece que nosso corpo vira esse elevador, que a gente vai indo pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo, descendo em andares, entrando em andares, sem saber exatamente o porquê, sem que seja a gente a comandar esse elevador”.
{Natália Sousa, no podcast “Para dar nome às coisas” (adaptado aqui)}
Quando essa metáfora me atravessou, eu apertei o botão de emergência.
E, claro, luzes e sirenes se acenderam aqui.
Há quanto tempo eu estava subindo e descendo, subindo e descendo, sem saber onde nem por quê?! Não sei dizer, mas estes últimos meses têm sido uma loucura. Todo mundo precisa de mim para alguma coisa. E eu cedo, cedo, cedo até olhar por dentro e não ter mais nada de mim para ceder.
Como eu não percebi isso antes?!
Como eu não notei que, em quase todo banho, eu estava lavando os cabelos duas vezes. Duas.
A primeira como fazia normalmente e a segunda porque, imediatamente, eu já não sabia mais se havia lavado os cabelos ou não.
Que tipo de vida é essa em que sua cabeça está sempre tão cheia, tão lotada, tão abarrotada de inutilidades alheias, que nem na hora de lavá-la (psicanalítico isso, aliás) você está consciente?!
Gurdjieff, filósofo e místico armênio, tem um livro intitulado “A vida só é real quando eu sou”. Lindo, não?!
Para ele, a maioria das pessoas leva suas vidas em um estado de inconsciência, agindo de maneira mecânica e reativa, essencialmente adormecidas para a sua verdadeira natureza e para si mesmas.
Este sou eu, lavando a cabeça de novo porque não sei se já lavei.
Esta é a Natália, subindo e descendo sem parar no elevador das demandas alheias.
Este é o personagem de Muarakami, achando que só faz tudo errado porque nem sequer sabe o que quer fazer.
Estes somos nós, perdidos numa segunda-feira qualquer, nesse final de ano (e de mundo) quase, sem nem saber direito de que nos serviu todo este 2023 e, muito menos, o que esperar do próximo ano que já se avizinha.
Eu estou cansado.
Cansado demais até para desejar, esperar ou querer.
Você também?!
E isso não porque trabalhei demais (embora também), mas porque perdi o sentido do que estou fazendo. Perdi a capacidade de desejar. Perdi a vontade de abrir veredas. Para quê?! Essa é a pergunta que me vem e me vence, enquanto o shampoo escorre de novo e de novo pelos meus olhos.
Eu preciso de uma folga. De tudo.
Preciso que os outros sosseguem. Às vezes, tenho a impressão de que se mais alguém derrubar outra tarefa sobre mim, vou colapsar inteiro.
Mas eu preciso, sobretudo, me encontrar.
Porque é sempre em mim que o sentido está.
É sempre na minha vontade, no meu desejo, nos meus porquês que eu encontro força para continuar.
Nisso, o título de Gurdjieff não podia ser mais assertivo. Somente quando estamos presentes, conscientes, acordados, é que a vida se torna verdadeira. Longe disso, somos máquinas, cada vez mais reativas e cada vez menos felizes.
Lúcia Helena Galvão costuma dizer que a solidão não é ausência do outro, é ausência de si, da nossa vida interior. Da mesma forma, estou percebendo aqui que a minha exaustão não é (só) excesso de demandas, é também falta de paz.
Paz para estar comigo um pouco, para me organizar, respirar fundo e encontrar minhas verdadeiras vontades. Afinal, é pelos sonhos que vamos. Sem eles, estamos só adormecidos.
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🧿 Este tipo de notícia é que faz a gente despertar: para nossos privilégios dados como condições, para a poesia que há na vida, para o tamanho que pode ter o coração humano.
🪟 A vida passa. Quem vê?
🫧 O que eu queria estar fazendo, em vez de me estressar todo dia igual a um FDP.
💙 Esse eu vou imprimir e sair entregando por aí. (De verdade!)
4. Você também pode se sentir tocado e enviar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Agradeço sempre pelo reconhecimento. 🩵