“Aqueles que escapam do inferno nunca falam sobre isso e nada mais os incomoda. Quero dizer, coisas como a falta de uma refeição, ir para a cadeia, bater o carro ou mesmo morrer. Quando você perguntar-lhes, ‘como as coisas estão indo?’ eles vão responder: ‘bem, muito bem …’ Uma vez que você foi para o inferno e voltou é o bastante, é a mais silenciosa celebração conhecida. Uma vez que você foi para o inferno e voltou, você não olha para trás quando o chão range. O sol está no alto, à meia-noite. E coisas como os olhos de ratos ou um velho pneu em um terreno baldio podem torná-lo feliz. Uma vez que você foi para o inferno e voltou”.
Dizem que o inferno é um lugar de puro desgosto e sofrimento.
Dizem que no inferno pagamos por todos os nossos pecados.
Dizem também que, ao entrar por lá, toda esperança deve ser abandonada na porta.
Girando a chave na fechadura para entrar em casa, eu só consigo pensar no quanto essas descrições se parecem com o lugar onde moro.
Eu cresci no inferno.
Eu cresci num lugar em que o sofrimento e a penitência eram a regra: quanto pior, melhor. Eu cresci precisando pagar pelos meus pecados, até por aqueles que eu nem pensei em cometer.
Eu fui julgado, punido e executado.
Quantas vezes? Vezes sem conta.
Eu me lembro bem das torturas, dos gritos e dos silêncios que duravam dias.
Eu me lembro das acusações, das vergonhas, das humilhações.
Eu me lembro de cada palavra dura como tridente que me espetou ao longo da etapa mais crucial de toda minha existência: a minha formação como ser humano.
Dizem que crescer com uma mãe narcisista gera no cérebro os mesmos efeitos de ter estado na guerra: Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
Estes filhos das mães, frequentemente, relatam sentir-se como soldados em um território inimigo, onde cada passo deve ser calculado para evitar minas terrestres emocionais. Você nunca sabe que consequências falar, sentir ou mesmo sorrir trarão.
Entrincheirado, cresci aprendendo a evitar as bombas e balas. Aprendi a sumir, a me esconder, a sair do caminho o máximo que pudesse. Eu aprendi a me encolher e a ser sempre infeliz. Era mais seguro ser infeliz, entendam. Risadas ativavam bombardeios.
Eu cresci num inferno assim.
Num inferno em que tudo precisava sempre girar em torno dela. Num inferno em que o mantra repetido pelo meu pai era sempre: “Tu sabe como é a Suely…”. Eu sei como é a Suely, pai. Eu sei do que ela é capaz. Eu sei o que eu passei. Eu sei como você morreu, atingido no peito pela fúria dela.
Há quase um ano, ela veio morar comigo. Há quase um ano, eu entro em casa suspirando fundo. Eu entro alerta de novo, ouvindo sinais anti-bombas. Eu os reconheço bem: cresci no inferno e sobrevivi. Não sem mágoas. Não sem marcas. Não sem me tornar inferno também.
Eu estive no inferno e não sei se algum dia consegui sair. Mas isso explica muita coisa. Explica eu não ter medo do escuro. Não ter medo da morte. Não ter medo nem da minha cara no espelho, depois que dá meia-noite e as luzes se apagam todas.
Eu estive no inferno. Eu vivi o pior que havia para se viver.
E sobrevivi. Pois é, pai, eu sei bem como é a Suely.
A jornada pelo inferno deixa marcas, queimaduras, cicatrizes. Mas é no fogo que o aço se forja também. Aqueles que sobrevivem, os poucos que voltam, emergem com uma perspectiva única sobre a vida e a dor. Eles aprendem a encontrar a beleza no que é triste e a ninar no colo a solidão.
A vida após o inferno é uma tapeçaria complexa de memórias, traumas e superações. É um constante relembrar e esquecer, despertar e se encolher, num processo de cura que nunca cessa completamente.
Aqueles que foram para o inferno e voltaram sabem bem que a vida pode ser mais do que apenas sobreviver; pode ser sobre viver verdadeiramente, apesar da dor.
Afinal, é do fogo desse mesmo inferno que aprendemos a fazer a nossa luz.
🙀 Quem foi ao inferno e voltou não se surpreenderia nem com isso.
📖 Adoro essas explicações de como a mente funciona, ainda mais sobre a leitura.
⚜️ Quem consegue me fazer uma dessas?!
🍸 O vídeo que todo mundo deveria ver! O que pressupõem sobre todos nós tem poder!
✨ Compartilhe a luz! Mesmo no inferno, há luz.
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Caramba, Linné, este teu texto é uma catarse para você, para mim, para quem ler. Sei o que é inferno também (fogo alto, brando, baixo...). Vou compartilhar. Gratíssimo!!
Adorei a imagem de capa.