"Uma capacidade perigosa"
"Quem se recusa o prazer, quem se faz de monge, em qualquer sentido, é porque tem uma capacidade enorme para o prazer, uma capacidade perigosa – daí um temor maior ainda. Só quem guarda as armas a chave é quem receia atirar sobre todos".
{Clarice Lispector, em “Perto do coração selvagem”}
Estou como Clarice: perto do coração selvagem.
Tudo porque, como Clarice também fazia, procurei um cartomante.
Mas ele não me falou do futuro, essa coisa insondável.
Não me falou do destino, dos caminhos traçados, nem mesmo do meu passado.
Não.
Ele me falou de mim.
Mas antes: aos 7 anos, eu ganhei cinco reais da minha mãe, para gastar numa lojinha de R$1,99. Ela esperava de mim um carrinho, um Power Ranger, uma mola maluca, não sei. Como sempre, eu a decepcionei: comprei um tarot. Assim, do nada. E comecei a estudá-lo desde então.
Hoje, vejo o baralho não como instrumento de divinação, mas como uma forma de ler a vida. Em algumas tradições, inclusive, o tarot é chamado de livro das páginas flutuantes. E eu acho isso lindo. Lindo porque, nas suas cartas, ele teria a totalidade da experiência humana. Alegrias e traições, nascimentos e tentações, tudo ali, a trocar de ordem conforme embaralhamos e lemos a história outra vez.
Quando olho para as cartas, portanto, estou olhando para isso. Estou vendo o que não vejo normalmente. Assim como uma música fala para mim de coisas que eu vivo. Ou um poema me explica o que sinto.
Foi assim.
O cartomante me falou, então, do fogo. Do potencial de incêndio que sempre houve em mim e que eu aprendi a abafar. Porque, você sabe, é perigoso brincar com fogo.
Eu sempre fui intenso, já disse isso aqui. Mas desenvolvi um comedimento com o tempo. Como se pegasse uma chama com a potência de reduzir a cinzas dez florestas inteiras, e a usasse para ferver água só. Aceita um café?
Sabe qual o problema?
É que existem florestas que precisam ser queimadas.
"Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?”{Oswaldo Montenegro, em “A Lista”}
O elemento fogo, nas cartas, tem a ver com tudo que me alimenta: a criatividade, a paixão, o tesão mesmo. Negar o fogo é se deixar cair em prostração. É perder o sentido, a vontade, a inspiração para agir e tomar conta de tudo.
Eu aprendi a controlar o fogo em mim. O que é bom, claro. Porque quando ele vem, entro num processo de autodestruição catastrófico. Mas também é ruim, porque quando ele se apaga, caio na apatia.
Controle é uma palavra chave para mim. Mas só quem precisa se manter sob controle o tempo todo sabe o quanto isso pode cansar. E eu cansei. Eu quero me entregar mais, quero me permitir, quero viver intensamente cada erro.
Quero incendiar de novo.
E vou, cada dia mais.
A newsletter de hoje é um lembrete para você se queimar também.
O equilíbrio é bonito, o good vibes está na moda, eu sei.
Mas não perca sua capacidade de, de vez em quando, botar fogo no parquinho.
É divertido, eu juro.
🪬 Se você não conhece o universo do tarot, dá uma olhada nessa galeria aqui. Uma das coisas que mais me fascina é exatamente a arte e suas possibilidades. A forma como cada artista interpreta a simbologia e o significado das cartas é um deslumbre.
🔑 Só pra pensar: quem trancou você na prisão que você habita hoje?
❤️🔥 Às vezes, incendiar é a solução.
🐰 Essa é a releitura da Turma da Mônica mais fofa que você verá!