"Mas Mia era assim, certo? Uma mulher que sentia um prazer quase perverso em perturbar a ordem natural das coisas. […] A Sra. Richardson inclinou a cabeça para o lado e examinou sua inquilina. O cabelo, como sempre, desgrenhado no topo da cabeça. Uma camisa larga de botão para fora da calça jeans. Uma mancha de tinta na parte de trás de um dos punhos. Mia ficou ali parada com a mão no batente, um sorriso discreto, esperando. Um rosto meigo. Um rosto jovem, porém não tão inocente. Ela não se importava, percebeu a Sra. Richardson, com o que pensavam dela. De certa forma, isso a tornava perigosa”.
{Celeste Ng, em “Pequenos incêndios por toda parte”}
Você não sabe ainda, mas todas as semanas eu fico aflito com esse nosso encontro. Isso porque, todas as semanas, eu me pego tentando resolver racionalmente sobre o que escrever. E sempre falho, é claro.
Mas a escrita tem uma magia que eu não consigo explicar. No fim, o assunto se insere na minha vida naturalmente. Via emoção, via vivência… Todas as semanas, eu deixo a razão de lado e aprendo a reconhecer sobre o que a nossa news quer ser.
Por isso, essa é sobre o drama do livro citado acima. Nele, a Sra. Richardson vive cada segundo disposta a impressionar a plateia. Ela fez um bom casamento, teve filhos bem educados, arranjou um trabalho para que não a chamassem de dondoca, viveu cada segundo, enfim, em função das expectativas alheias. Toda sua noção de mundo estilhaça, porém, quando ela conhece Mia.
E por quê? Porque Mia não dá a mínima.
Eu cresci numa cidade em que a pergunta mais importante a qualquer um sempre foi: “De quem tu é?”. Ou seja, “De qual família você veio”?
E a resposta é definidora.
Ela define o que você pode ou não fazer, onde pode ou não comprar, quais lugares tem o direito de frequentar, até mesmo quem vai ou não cumprimentá-lo na rua. Pode parecer ridículo, eu sei. E é. Mas temos aqui castas mais rígidas do que as indianas. Ser considerado intocável é só uma questão de ter o sobrenome errado.
Nesse caso, não importa o que você faça, você vai sempre ser um pária. Você pode cursar um pós-doutorado na Alemanha. Você pode adquirir fama internacional. Você pode se casar com um multimilionário. Você pode até mudar de nome e sobrenome. Não importa. Você jamais será um deles. O “De quem tu é?” vai continuar pesando mais.
E eu sou dos Linnés.
Sim, eu sou Linné.
Mas dos Linnés errados. Da parte pobre da família.
Minha tia já foi Secretária de Educação do município. Meus primos são médicos famosos… Mas meu pai era caminhoneiro. Minha mãe dona de casa. E eu, eu mesmo, sou professor do estado. E adotado, ainda por cima.
Logo, não sobrou muito prestígio para mim.
Por isso, percebi cedo, ainda na escola, que eu não seria considerado de valor por ser quem eu era. Parti, então, numa busca desesperada para ser considerado alguém pelo que eu fazia. As melhores lições, os melhores trabalhos, as melhores notas, me garantiram sempre algum status na escola.
Em casa, porém, a mesma fórmula não se aplicava.
Nada do que eu fazia parecia impressionar a minha mãe. Aos 10, 11 anos, comecei a cozinhar. Acho que cozinho melhor do que escrevo, inclusive, mas ela nunca conseguiu provar algo que eu tivesse feito sem dizer que passou mal por isso:
“Acredita que aquele pedacinho de bolo me atacou o fígado?! Meu Deus do céu! Achei que eu ia morrer! Eu passei mal, mal, mal que era um cachorro!”.
É. Pois é.
Mas essa não é uma história em que eu sou a vítima. Pelo contrário. É uma história de empoderamento. Porque quando eu percebi que não conseguiria impressionar nem a minha mãe, a ideia toda deixou de fazer sentido. E isso se enraizou em mim.
Esta semana, recebi dois convites considerados importantes (por quem os fez). Para duas posições que me trariam, supostamente, prestígio. Meu único pensamento foi: Ok, mas eu faço o que com isso?! Entre prestígio ou tempo livre, escolho meu tempo livre. Entre jantares na high society ou ficar aqui, escrevendo para você, eu escolho você. Entre ter algum status ou ter micose, eu fico com a micose.
É! Pode render algum texto interessante, sei lá.
“Você não entende. Tem gente que atravessa a vida desesperada por uma oportunidade como essa. E você abre mão assim?! Sabe por quê? Simplesmente porque você sabe que poderia tê-la. E você nunca quer nada do que poderia ter, Vini. Se não pudesse, seria igual a eles, desesperado para ser reconhecido. Se você não brilhasse, imploraria por luz”. - Foi isso que um amigo me disse, quando contei a ele sobre os convites.
“Se você não brilhasse, imploraria por luz”.
Esse deveria ter sido o assunto desse e-mail. A citação de hoje. A reflexão inteira também. É isso que a Sra. Richardson não percebeu: Mia é perigosa porque brilha. E brilha porque não está nem aí para impressionar os outros. Que diferença vai fazer, afinal?! Somos só uma pessoinha entre 8 bilhões (espero que já tenhamos chegado a este número, aliás, porque foi isso que coloquei no meu post de hoje do Instagram).
Quem implora desesperadamente por luz é quem não enxerga o próprio valor. Ou a própria insignificância. Não sei.
Não sei mesmo.
Não sei se sou tão arrogante a ponto de não me importar com a validação de quem não admiro; ou se tenho tanta consciência do quanto somos insignificantes (todos nós, meu amor), que não faz a menor diferença ser admirado ou não.
Sei que sou como Mia. Sei que sinto um prazer quase perverso em perturbar a ordem. Em não estar nem aí para carros, jantares, marcas, networking... Porque o que me ilumina e faz brilhar não é a grandiosidade. É a insignificância.
É a chuva lá fora, é o livro que eu queria ler, é a poesia que estou escrevendo, é o cheiro de bolo assando… É a maneira como o sol entra de tardinha aqui em casa e ilumina um cantinho bem específico do meu escritório.
E é como notar isso me deixa tão completo por alguns segundos, que todo resto é só a Sra. Richardson, boquiaberta porque percebeu o óbvio: que desperdiçou a vida inteira sendo infeliz para satisfazer os outros.
🧋 Esse reels pode ter sido um gatilho (ou uma síntese) desse momento. Esse também.
🏕 E a delicadeza dessa frase. Especialmente se a pessoa for você mesmo, ora.
✒️ Porque no fim é isso: Nossas histórias só importam pra nós, como ouvi nesse episódio (estranho como nunca e incrível como sempre) do podcast da Aline Valek.
🎁 Ah, e aqui está um presente extra para você: um site que melhora a qualidade e aumenta o tamanho das suas imagens. De nada. 🥰
Vou ler este livro pela ideia cirúrgica que você passou dele e do tema
Sabe Vini, também sou a parte pobre da família, e a ovelha negra também kkkk
Sou diferente em td, desde política até em interesses. Seria muita hipocrisia dizer que o $$ não me fez ou faz falta, mas sei que vivi muito mais emoções que meus parentes. Mas isso me custou alguns rótulos... Hoje sou mais bem resolvida, não ligo para o que pensam de mim. Até aproveitei a oportunidade das eleições e me afastei de alguns kkkkk
Agora qdo vou a Tapera encontro tanta gente que tem saudade de mim, enquanto outros que se diziam amigos se revelaram insignificantes!
Mas tenha uma certeza, eles são tão ricos que só tem dinheiro. A felicidade é outra história!
(desculpa os erros de concordância, pontos, vírgulas e etc)
Abração pra vcs!