"Eu venho de uma longa saudade. Eu, a quem elogiam e adoram. Mas ninguém quer nada comigo. Meu fôlego de sete gatos amedronta os que poderiam vir. Com exceção de uns poucos, todos têm medo de mim como se eu mordesse. Nem eu nem Ulisses mordemos. Somos mansos e alegres, e às vezes latimos de raiva ou de espanto. Eu escondo de mim o meu fracasso. Desisto. E tristemente coleciono frases de amor."
{Clarice Lispector, em 'Um sopro de vida: pulsações'}
As pessoas têm medo de mim também - já me disseram, então eu entendo a Clarice.
Medo de se aproximar demais.
Medo de me escrever e eu corrigir, ou nem responder.
Medo de não ter assunto para falar comigo, tão estudado e tão culto e tão doutor.
Aff. Como eu odeio isso. E odeio ainda mais não conseguir desfazer essa impressão. Porque, eu sei, de fora posso parecer esnobe, distante, enfastiado. Mas esse é só meu jeito meio torto de estar no mundo. Como quem tivesse horror de tocar nas coisas. Não porque elas não são dignas, mas por medo de, a qualquer instante, quebrá-las todas.
Eu sou tímido, desastrado, nunca sei bem o que dizer.
Mas quem me conhece para além disso, sabe, eu falo besteira, faço piada, escrevo e falo errado. Por gosto e sem querer. Eu sou uma bagunça. Por isso, o poema com o qual eu mais me identifico é O Elefante, do Drummond.
Nele, o poeta diz juntar restos de móveis, pedaços de panos, tudo para se disfarçar como um elefante e sair à rua. É como se aquela fosse sua armadura, sabe?! Sua proteção contra a vergonha. Enfim pronto, o elefante sai procurando a quem dar sua ternura, seu encanto, seu amor todo doce.
Como Clarice, ele vem de uma longa saudade:
Eis meu pobre elefante
Pronto para sair
À procura de amigos
Num mundo enfastiado
Que já não crê nos bichos
E duvida das coisas[…]
E não há na cidade
Alma que se disponha
A recolher em si
Desse corpo sensível
A fugitiva imagem
O passo desastrado
Mas faminto e tocante
Não o querem nem para rir. Ao fim do dia, volta o Elefante, sozinho, para casa e se desmonta todo. Só para amanhã tentar de novo.
Clarice, por sua vez, toda ela vontade de pertencer, termina por colecionar frases de amor. Não tem a quem dizê-las.
Já eu, sigo percebendo o medo que espalho. Sou o dragão que cerca o castelo. Mas também sou o castelo, a cerca de espinhos e até a princesinha esperando lá dentro, enquanto canta Marisa Monte:
Eis o melhor e o pior de mim
No meu termômetro o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte[…]
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
É isso! Esse último verso talvez tenha a explicação. Em 1891, Georg Cantor provou cientificamente que alguns infinitos são maiores que outros. Talvez, meu infinito particular assuste, como assustava o da Clarice, o do Drummond.
Escrevemos o que todo mundo só pensa. Mostramos nosso infinito, confessamos que não tem fundo. E, por isso, perdemos a chance de preenchê-lo. Damos a ele ares de abismo. E quem quer se perder no abismo?!
Ninguém. Assim, a saudade primordial continua.
A coleção de “eu-te-amos” não usados aumenta.
A carência também, junto com a nossa fama de inacessíveis e as escamas duras do dragão-elefante em que nos disfarçamos. Tudo bem. Amanhã tentamos de novo.
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Cheguei agora. Deveria ter medo? Não tenho. ☺️Não precisa ser dragão-elefante comigo 🥰