"Sua idade aumentará, mas não sua sabedoria"
"Amanhã será como ontem e depois de amanhã como anteontem – disse Apolônio. – Vejo o resto dos seus dias como uma tediosa coleção de horas. A senhora não viajará a nenhum lugar. Não terá pensamentos novos. Não experimentará nenhuma nova paixão. Sua idade aumentará, mas não sua sabedoria. Crescerá seu formalismo, mas não sua dignidade. Já viu uma velha haste de milho que amarelece e definha, mas se recusa a morrer, na qual alguns passarinhos pousam de vez em quando, quase sem notar sobre o que estão pousados? Isso é a senhora. Não consigo imaginar qual seja seu lugar na organização da vida. Uma coisa viva deveria criar ou destruir, segundo sua capacidade ou capricho, mas a senhora não faz uma coisa nem outra. […] Quando a senhora morrer, será sepultada e esquecida, somente isso. Os agentes funerários a fecharão num ataúde à prova de vermes, com o que lacrarão, para a própria eternidade, a argila da sua inutilidade. A julgar por todo o bem e todo o mal, toda a criação e toda a destruição que sua vida pudesse haver provocado, a senhora poderia perfeitamente jamais ter existido".
{Charles G. Finney , em 'O circo do Dr. Lao'}
Preciso confessar algo agora, antes que você se apegue demais aqui:
eu tenho em mim a mais pura vocação para o amargor.
Aqui sou doce (ainda), eu sei.
Sou bom, quase posso jurar.
Faço o bem, digo palavras bonitas, quero mesmo inspirar por onde eu passo.
Isso é lindo e tudo mais.
Mas eu também sei ser mesquinho.
Eu também julgo demais as pessoas - a começar por mim.
E eu também posso ser irônico, debochado, insensível e destrutivo.
Imagine só, por exemplo, que capacidade tem alguém como eu - íntimo delas -, quando decide usar as palavras para machucar alguém?!
E como se isso não fosse suficiente, há mais para confessar: eu gosto desse meu lado ruim. É meu favorito. A bondade é bonita, a gentileza faz suspirar, a poesia emociona… Mas quer saber?! O ódio empodera. E há um lado meu todo viciado em poder.
“Respeito muito minhas lágrimas. Mas ainda mais minha risada”.
{Caetano Veloso, em ‘Vaca profana’}
E ela é do mal, a minha risada, de vilão de filme mesmo. Por isso eu preciso tomar tanto cuidado. Por isso eu preciso de vigilância constante. Por isso eu preciso me lembrar todos os dias do amor, do carinho, da bondade, do que importa. Porque a tentação é grande demais.
"Quem se recusa o prazer, quem se faz de monge, em qualquer sentido, é porque tem uma capacidade enorme para o prazer, uma capacidade perigosa. Só quem guarda as armas a chave é quem receia atirar sobre todos".
{Clarice Lispector, em ‘Perto do Coração Selvagem’}
Por isso, essa fase de fim de ano é complicada para mim. Porque enquanto crianças por aí balançam ao som de “Pinheirinhos que alegria… lá, lá, lá, lá…”, eu só consigo pensar no quanto queria que fossem os Papais Noéis, seus elfos, suas renas e demais acompanhantes, todos para um inferno qualquer.
Há no ar uma urgência e uma obrigatoriedade de ser feliz que me leva à náusea.
Mas daí eu penso no velho conto de natal do Dickens. Penso no Mr. Scrooge, rabugento, mesquinho, egoísta e insensível (como eu! como eu!) e tenho a certeza de que sou novo demais para ser tão ruim.
Penso também nos fantasmas que ele recebe na noite de natal: o Fantasma do Natal Passado, o Fantasma do Natal Presente e o Fantasma do Natal Futuro. E então eu lembro que se eu não me cuidar, que se eu não me controlar um pouco, que se eu não retardar o máximo que puder minha vocação para o amargor, eu vou ficar sozinho logo, logo.
E digo mais: eu vou me tornar como as pessoas que eu odeio. Essas que reclamam de tudo, que conseguem ver sempre o pior lado de cada situação, que veem a maldade em todo mundo, que ficam cada vez mais tristes, mais vazias, mais amargas mesmo.
Porque foi assim que eu sempre me vi velho: sozinho e ranzinza. De preferência, com uma bengala na mão, para poder bater nos outros e destruir as coisas em volta.
Só que no caminho para isso está minha filha, alegre, encantada com o natal e sua magia. No caminho para isso está meu falecido pai, que me ensinava tanto sobre ser bom. No caminho para isso estão vocês, que acreditam quando eu falo que o amor muda tudo. No caminho para isso está meu outro lado, com vocação para a doçura - ainda que ela seja menos divertida. No caminho para isso está a minha vontade de, no fim, ter feito mais bem do que mal no mundo.
E é no meio do caminho que eu fico, então. Junto deles.
Às vezes odiando tudo em volta, mas às vezes, também, lembrando que isso é tudo que temos até o último fantasma chegar.
E você, nessa batalha, onde está?!
🔮 Se você gostou da citação de hoje, indico esse vídeo aqui.
😅 Às vezes eu tenho TANTA vontade de fazer isso!
🤬 Se eu pudesse dar um recado para mim e para todos, seria esse: o ódio fecha sua inteligência.
👻 Se os fantasmas vão aparecer, que sejam fofos assim.
Aproveitando: para quem quer conhecer as minhas zines, esta é a última semana em que está no ar a promoção, tá?!