“Sou uma alma nova,
Vim para este mundo estranho,
Esperando aprender um pouco sobre como dar e receber.
Mas desde que cheguei, senti a alegria e o medo,
E só fui me encontrando cometendo todos os erros possíveis.”{Yael Naim, em ‘New Soul’}
A minha mente é uma casa de espelhos. Assombrada como nos filmes. De todos os ângulos, eu consigo me ver. E me envergonho então, como se estivesse fazendo tudo errado.
Os reflexos me cercam, multiplicam versões de mim que eu reconheço bem. Cada espelho me distorce de forma sutil, mas cruel. Um me faz parecer menor, frágil, como se a minha voz não pudesse nem atravessar a sala. Como se eu não tivesse sequer o direito de falar.
Outro me amplia, exagera cada falha, cada gesto desajeitado, tornando-me gigantesco em minhas imperfeições. Sou, de repente, um Quasímodo sem Notre-Dame e sem Esmeralda. Só feiura e desolação.
Por todo lado, há uma coleção de versões imperfeitas minhas, que me fazem acreditar que isso é tudo que tenho. Tudo que sou: um amontado informe de erros.
As vozes que internalizei ecoam nesse labirinto, como gritos estridentes vindos de longe. Foram elas que me disseram que eu era insuficiente, que precisava ser mais isso, menos aquilo. Vozes que não foram minhas, mas que agora vivem aqui dentro, dando forma a esses espelhos tortos.
E eles me devolvem uma imagem que me faz encolher, acreditando que sou muito pior do que realmente sou. Conforme ando por esse lugar, tentando encontrar uma saída, só consigo me perder mais e mais entre as sombras.
Os reflexos me provocam, mostram erros que eu nem sabia ter cometido. Uma palavra fora de lugar, uma atitude impensada. Como se tudo estivesse sob uma lupa implacável, mostrando cada falha com nitidez insuportável.
O ar pesa, e os espelhos, em vez de me devolverem a verdade, me aprisionam nas suas distorções. Tento desviar o olhar, mas os reflexos me seguem, me encaram, riem de mim. Não há para onde fugir.
Ou há?!
Na semana passada, algumas colegas da escola me chamaram para um cantinho. Estavam preparando uma apresentação surpresa para a nossa confraternização de final de ano. Uma coreografia para o hit “Descer pra BC”. Elas me convidaram para ser o cantor.
A verdade é que elas não esperavam que eu topasse. Nem eu me imaginaria fazendo algo assim. Nas festas, eu sempre fui aquele que fica sozinho, no canto, observando e julgando quem se atreve a dançar. Eu sou tímido, envergonhado, quieto. Pelo menos é isso que os espelhos sempre me disseram.
Ainda assim, topei. Pela parceria, talvez. Pelo desejo, ainda que oculto, de sair da prisão que me fiz. Nos ensaios, porém, não conseguia me soltar. Cada movimento parecia carregar o peso de todos os olhares. Sentia o corpo rígido, como se estivesse exposto, e cada tentativa de dançar me fazia corar de vergonha.
Eu não conseguia me libertar daquela sensação sufocante de estar sendo observado, julgado por mim mesmo e por outros que nem estavam lá.
Mas, na hora... Na hora eu fiz o que tinha que ser feito. Como já disse semana passada: fazer o que precisa é meu lema. E o resultado?! O resultado foi algo que eu jamais esperava. No exato momento em que subi na caminhoneta - nosso palco -, algo mudou.
Enquanto cantava, senti o som de algo se quebrando. Mas não era do lado de fora. Não era o palco, nem os risos de quem assistia. Eram os espelhos de dentro de mim.
Um a um, os reflexos começaram a se estilhaçar. Aquelas versões distorcidas, aqueles ecos de vozes que me diziam o que eu podia ou não ser, começaram a desaparecer entre os cacos.
De repente, eu descobri que aquelas imagens não eram minhas. Que aquelas vozes presas, ecoando entre os estilhaços, não eram a minha voz. Eram apenas ecos, fantasmas. E quando o último espelho caiu, o que sobrou foi algo que eu nunca tinha visto antes: liberdade.
Não a vergonha, não o fracasso, nem a rejeição. O que havia além daquele vidro estilhaçado era um espaço aberto, imenso. Um horizonte onde eu poderia ser qualquer coisa, onde o erro não era o fim, mas parte do processo.
E a liberdade era linda.
Era noite ainda, quando terminamos, mas aqui dentro o sol estava nascendo quando ouvi os aplausos, incendiando tudo ao redor com seus primeiros raios. A luz invadiu cada canto, e com ela, a certeza de que, ao permitir que o impensável aconteça, ao aceitar o risco e a vulnerabilidade, o que me espera não é a derrota.
É o início de algo novo.
Uma alma nova, pronta para receber o que vier.
🤠 Se quiser conferir a “performance”...
🎺 O texto de hoje deve muito ao clipe da música da Yael Naim.
🦋 É bonito isso de irmos assumindo novas versões.
🌑 Não se deixe envolver pelas sobras e pelas sombras.
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🙏 Gratidão!
Bombou no Insta esta semana:
Texto maravilhoso, como sempre! Parabéns por conseguir quebrar seus espelhos. Por se permitir tentar. E pelo sucesso da apresentação! Estou no processo de descobrir os meus... Obrigada por compartilhar seus escritos e fazer minha segunda-feira mais promissora!
Que texto inspirador para começar a semana. Talvez só quem vive cheio de espelhos na mente (meu caso, mas em processo de rupturas) sabe o quanto você foi corajoso. Obrigado por compartilhar.