"Somos a nossa herança"
“O problema do livre-arbítrio: gostamos de imaginar que somos livres, completamente livres, mas isso não passa de ilusão, somos a nossa herança, uma herança gravada nas palavras de nossos ancestrais, pensemos num bicho qualquer, […] a capivara, um tamanduá, por exemplo, um tamanduá é um tamanduá e continuará sendo um tamanduá, assim como seus filhos e seus netos e seus bisnetos e tataranetos, numa cadeia infinita de tamanduás, e não há nada a fazer, a não ser que, por algum motivo, quase sempre mero acaso, o tamanduá consiga reconhecer a narrativa que faz dele um tamanduá, decifrá-la, e reencontrar a antiga conexão, ou seja, fazer a travessia, que é o momento em que ele pode se aproximar da sua essência original, que é irrecuperável, pois não é feita de palavras, se desvincular de sua herança de tamanduá e assumir a forma de outro bicho, de uma planta, de uma pessoa, e até mesmo, preste atenção, de outro tamanduá!”.
{Carola Saavedra, em ‘Com armas sonolentas’}
Quando paro para pensar, percebo quão pouco da minha vida fui eu que escolhi.
Não sei se sou de poucos desejos. E, por isso, ando a esmo.
Não sei se me deixo levar pelas decisões alheias, até por medo das minhas.
Não sei se ser adotado e imaginar toda miríade de destinos diferentes que eu poderia ter me perturba demais. Não sei…
Só sei que sinto minha vida selada num instante do qual eu nem participei: o momento em que minha mãe foi consultar um psiquiatra e ele julgou que seria de bom-tom se livrar de um filho bastardo entregando-o àquela mulher.
Este momento, olhando para trás, parece que impediu a minha história de ser escrita por mim. Porque, depois dele, tudo que eu precisei fazer foi sempre reagir e sobreviver. Entendem?!
Eu não peguei a caneta nas mãos em momento algum. Eu não assumi o controle. Eu não sinto a minha vida como uma história que eu mesmo escrevi.
Não. Sinto-a como um jogo de xadrez.
Eu não defini as regras. Pelo contrário, precisei aprendê-las à força, enquanto jogava. Ninguém me explicou. Eu não escolhi a cor das peças. Eu não comecei os movimentos. Eu não estudei qualquer estratégia. Eu nem sei, para dizer a verdade, como é que se vence.
Tudo que eu consigo fazer é evitar o xeque-mate a cada movimento.
Sinto a vida assim, juro.
Como um jogo no qual eu nunca estou no controle.
E tudo que eu consigo fazer é reagir aos movimentos alheios.
Às vezes, até tento. Faço planos, construo estratégias, organizo na minha mente as próximas jogadas. Mas, então, o destino mexe suas peças e eu não consigo colocar nada em prática. Eu pisco os olhos e lá se foram meu bispo, minha torre e meu cavalo. Eu sou um peão, então, nas mãos de tudo que vem.
E não adianta vir com “Assuma o seu destino” ou “Crie a sua própria história!”
Não enquanto eu não entender minha própria narrativa, enquanto não decifrar as cicatrizes que me fizeram e conseguir aceitá-las todas, todas. Não enquanto eu não puder assumir esta vida como minha vida. Não enquanto eu não virar o tabuleiro e decidir ser outro eu.
Eu sei que não é fácil mudar a forma como vemos a vida.
Eu sei que não é simples reconhecer a nossa narrativa e reescrevê-la.
Eu sei que não é possível voltar no tempo e escolher outro caminho. Mas eu também sei que não é tarde demais para tentar. Para tentar ser mais do que um peão. Para tentar ser mais do que um tamanduá. Para tentar ser mais do que um filho bastardo. Para tentar ser mais do que eu.
Eu não sei se eu tenho livre-arbítrio.
Eu não sei se eu posso fazer a travessia.
Eu não sei se eu posso me aproximar da minha essência original.
Mas eu sei que eu posso tentar. E é isso que eu vou fazer. A partir de hoje, eu vou tentar escrever a minha própria história. A minha história de tamanduá. A minha história de peão. A minha história de Vinícius Linné.
😔 É preciso acolher até a frustração? Até a frustração.
😽 Para quem, como eu, é fã de gatos.
📖 Autoconhecimento é contar uma história.
4. Você pode não mudar a minha história, mas pode alegrar o meu dia. Para isso, é só mandar qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. É muito bom ver nosso trabalho reconhecido, juro. 🤎
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