"Solidão é uma casa sem luz"
"Solidão é uma casa sem luz. Os pés tropeçam na mobília. As pernas se cobrem de hematomas. As mãos se machucam no vazio. Até que os olhos cegos se lembram. E dão-se conta de que tudo está lá, como sempre esteve. A respiração diminui. O cérebro volta para o antes. As mãos contornam e reconhecem objetos antigos. A escuridão já não importa. A casa volta a ser apenas uma casa. Tenho habitado esse lugar.".
{Cinthia Kriemler, em 'Viúvas de sal’}
Não sei bem quando foi que me acostumei à solidão.
Ou, melhor ainda, quando foi que passei a preferi-la.
Mas penso que tem a ver (como tudo mais aliás), com a minha infância.
Nela, depois do meio-dia, minha mãe sempre se deitava para dormir. Das 13h às 16h, eram os meus únicos momentos bem livres do dia.
Momentos em que eu podia brincar do que quisesse, escrever sem que ninguém me perturbasse, ler até, sem ser condenado por estar fazendo nada. Acho que foi ali que se fundou em mim a noção de que liberdade precisava ser sinônimo de solidão.
Até hoje é assim.
Não sei ser a não ser sozinho.
Todos os dias, eu preciso de um tempo só meu. Um tempo sem ninguém por perto, sem mensagens, sem invasões alheias, sem ninguém em volta. Eu preciso do vazio fora de mim para preencher o vazio de dentro.
Como disse Clarice: “O que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só?!”
Arte.
Eu faço arte com isso.
Eu sei que é deste vácuo que vem a minha possibilidade de fabular, de montar em palavras os meus sentimentos, minha forma de ver a vida.
Porque enquanto estamos acompanhados, ganhamos contorno através dos outros. Somos observados, logo existimos. Somos julgados, logo nos ocupamos em corresponder ou negar as expectativas. Os outros nos tocam e logo ganhamos contornos de gente.
Mas e na solidão?!
Na solidão, precisamos criar os próprios contornos, as próprias definições, precisamos observar a nós mesmos, caso contrário, deixamos de existir, inexoravelmente.
É por isso que tanta gente teme ficar sozinha?!
Porque o confronto é duro e exigente?
Porque depender de si - e somente de si - consome uma parte considerável da alma?
Talvez seja. Talvez seja por isso que os fones estão sempre nos ouvidos de uma nova geração inteira. Talvez seja por isso que as horas sejam gastas escorrendo telas para cima e para baixo, em busca de um outro que nos reflita e complemente - mesmo ausente -, para diminuir a solidão.
Eu não.
Eu preciso mergulhar na solidão. Todos os dias. Como quem precisa desesperadamente de água para respirar. Como um animal marinho, misterioso e intenso, que habita profundezas e, só por isso, passa a produzir a própria luz.
“Solidão é uma casa sem luz” escreveu a sensacional Cinthia Kriemler. Mas alguns de nós conseguem se encontrar nela. E mais ainda: conseguem se sentir, realmente, em casa. Justamente por esta falta de luz.
Há quem chame esse sentimento ao qual me refiro hoje de solitude, não de solidão.
Não sei se gosto do truque. A origem das duas palavras é a mesma. O gosto também. Mas há maneiras e maneiras de se encarar uma mesma sensação. Em mim, faz bem a solidão. Como fazem bem as grandes tempestades, a chuva batendo no rosto, a escuridão das noites sem lua. Em mim, às vezes, até a tristeza cai bem, decerto combinando com a cor dos olhos.
Outro dia, alguém especial me definiu assim: “Você é um abismo seguro”.
Desde então, tenho pensado nisso todos os dias. A metáfora da casa sem luz é assim: um lugar conhecido que, de repente, parece (só parece!) insondável. O peixe que produz sua luz na escuridão é isso também: um ponto luminoso no fundo do precipício. Abismos seguros, ambos.
Eu sou um abismo seguro também. Mergulho no fundo, sozinho, completamente sozinho, gostando de ser assim, só para voltar sinalizando e iluminando o que há pelo caminho. Só para que você não caia. E pior: não queira cair.
Sou um abismo seguro. Com placas, sinais luminosos, avisos de perigo. Não deixo ninguém se aproximar. E, por isso, sigo sozinho. Habitando o fundo das coisas, o fundo de mim.
E, acredite, há muita vida aqui.
Afinal, a solidão não é necessariamente uma ausência, é a presença total de si.
🐈⬛ A pergunta está aqui. A resposta?! Ficando sozinho.
🥂 Esta mensagem veio quando eu precisava dela. Então, repasso!
⏳ Muitas pinturas, poucos segundos, anos de reflexão.
✨ Expressividade puríssima! Isso é arte.
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4. Se você achar que esta news tem valor, que tal retribuir com um cafezinho?! Para isso, basta enviar qualquer valor via pix para: vinicius.linne@gmail.com. Cada notificação me lembra que eu não estou tão sozinho assim, que você está aí, do outro lado, criando luz também.