"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço".
{Italo Calvino, em ‘As cidades invisíveis’}
Aos 15 anos, eu participei de um retiro de jovens.
Tenho ainda o caderno que usei lá para provar. Numa das páginas finais, escrevi: “Aprendi muito sobre mim e a vida aqui. Mas acho que nada disso funciona lá fora. Tenho medo de sair”.
Naquela época, eu já havia entendido de algum modo Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Isolados em uma montanha, até nós viraríamos monges budistas. Agora, acordando cedo na segunda, encarando alunos, chefes chatos, lotações… Ah, aí ninguém se garante mais na paz do Zen!
Mas eu não quero ir por esse caminho. Essa citação de hoje, escolhida por vocês no meu instagram, tem uma armadilha: a partir dela, é possível abrir os portões do inferno, a caixa de Pandora, a lista sempre enorme das nossas reclamações.
Não quero!
Quero que você leia de novo: a citação de hoje não sobre o inferno.
É sobre a porta de saída.
No meu caso, a rota de fuga inclui a arte, a sensibilidade, a literatura, o delicado do mundo e, principalmente, a vontade de ouvir, contar e viver histórias bonitas.
É por isso que abro esse editor de texto todo domingo à noite, preparando a news de segunda. É por isso que crio posts, artes, textos: para dar espaço ao que é bom, ao que ainda não é inferno em mim, ao meu paraíso na Terra.
Sim, porque se o inferno é aqui, o paraíso também pode ser.
E às vezes - só às vezes -, é possível escolher.
💀 Num mundo em que alguém pensa em fazer isso, eu quero muito viver! É tão incrível que você merece passar um tempo no perfil desse cara, só apreciando o que ele faz.
⚜️ Se você gosta de arte, vai gostar de conhecer as esculturas do italiano Fausto Melotti. Foram elas, inclusive, que inspiraram as cidades imaginadas por Calvino.
🕌 Ah, e eu não posso terminar esse e-mail sem confessar algo: eu nunca havia lido Italo Calvino. Só fingira ler na época da faculdade, para um trabalho que deixei atrasar. 😬 Por isso, ler agora As cidades invisíveis foi uma surpresa linda. Que livro, minha gente! Nele, Marco Polo recebe a incumbência de visitar todas as cidades do império de Kublai Khan, para fazer um relatório de cada uma.
Sem nunca deixar o palácio, Polo inventa a Khan cidades fantásticas, estranhas, luxuriantes ou solitárias. Como nas mil e uma noites, o Imperador se vê maravilhado por aquelas descrições que, mesmo sabendo falsas, são um paraíso para ele, em vez do inferno decadente que é a realidade (entenderam o lugar da citação?!). Se você não conhece o livro e quer experimentar um pouquinho dele, recomendo esse vídeo aqui.
Cloé é minha favorita disparada! Que cidade! Parece aquela em que eu moro! 🤭
E a sua favorita, qual foi?! Pode responder este e-mail para mim. Vou gostar de saber. 🤗
Perfeito seu texto. Li e reli muitas vezes. Estou totalmente de acordo com você. Abraços