"Que te diz o vento que passa?"
"Olá, guardador de rebanhos.
Aí à beira da estrada.
Que te diz o vento que passa?"
"Que é vento, e que passa.
E que já passou antes.
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"
"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."
"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira.
E a mentira está em ti."
{Alberto Caeiro, em Poesia Completa}
Eu acho essa poesia de uma metáfora universal.
Sério.
Porque podemos trocar a palavra “vento” por qualquer outra e extrair dos versos lições preciosas. Quer ver?!
“Que te diz o amor que passa?"
"Que é amor, e que passa.
E que já passou antes.
E que passará depois."
“Que te diz a vida que passa?"
"Que é vida, e que passa.
E que já passou antes.
E que passará depois."
“Que te diz a angústia que passa?"
"Que é angústia, e que passa.
E que já passou antes.
E que passará depois."
Tudo é o que é. E tudo passa.
Todo resto é invenção nossa, mentira como diz a poesia. Quantas vezes nós dramáticos já dissemos: “Eu não vou aguentar!” e aguentamos? Quantas vezes já comemoramos: “Este é o melhor dia da minha vida!” só para experimentar outro ainda mais incrível depois?!
Às vezes, sofremos muito porque vamos distribuindo às coisas adjetivos que não lhes pertencem. O vento não fala de memórias, saudades, viagens... Nós é que falamos. O amor não fala de expectativas, decepções e pagas. Nós é que colocamos tudo isso nele. Ele só é.
As coisas são simples.
Nós é que as complicamos.
👁🗨 “Pensar é estar doente dos olhos. O essencial é saber ver”. Ah, esse Caeiro…
🗿 Provocação: se você fosse fazer uma arte dessas, encheria sua cabeça de quê?
🏭 A arte desse perfil só é o que é. Mas preste atenção em como a gente vai preenchendo de sentidos cada construção.