“Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. […] Que seja doce o dia quando eu abrir as janelas e lembrar de você. Que sejam doces os finais de tardes, inclusive os de segunda-feira - quando começa a contagem regressiva para o final de semana chegar. Que seja doce a espera pelas mensagens, ligações e recadinhos bonitinhos. Que seja (mais do que) doce a voz ao falar no telefone. Que seja doce o seu cheiro. Que seja doce o seu jeito, seus olhares, seu receio. Que seja doce o seu modo de andar, de sentir, de demonstrar afeto. Que sejam doce suas expressões faciais, até o levantar de sobrancelha. Que seja doce a leveza que eu sentirei ao seu lado. Que seja doce a ausência do meu medo. Que seja doce o seu abraço. Que seja doce o modo como você irá segurar na minha mão. Que seja doce. Que sejamos doce.”
{Caio Fernando Abreu, em ‘Os dragões não conhecem o paraíso’}
A gente se acostuma.
Se acostuma às respostas rápidas e sempre um pouco ríspidas.
A gente se acostuma a não ter tempo, a comer apressado, a falar pouco (ou mal dos outros), a apressar os filhos para a escola, para o teatro, para a circense ou para a catequese. Afinal, estamos sempre atrasados para alguma coisa.
A gente se acostuma a olhar sem ver, a percorrer sempre o mesmo caminho, de preferência no piloto automático.
A gente vai criando resistência, imunidade à vida, ao fascínio das coisas pequenas. Aquelas mesmas que nos encantavam na infância, num tempo em que éramos os xingados, não os xingadores.
A gente vai criando casca. De tanto correr, de tanto cair, de tanto fazer que não sente. E nesse embalo duro, quase bruto, esquecemos do gosto da vida. Esquecemos do riso frouxo depois do tombo, do gosto do doce derretido no canto da boca, da mão que afaga em silêncio. Esquecemos do abraço que não cobra, do café coado com calma, de reparar no cheiro de pão na chapa de manhã.
A gente vai ficando resistente às gentilezas. Vai achando piegas desejar bom dia com um sorriso sincero, cafona dizer que sentiu saudade. A vida, que era para ser suspiro, vai virando tarefa. Vai ficando pesada demais pro tanto de leveza que a gente não se permite mais ter.
Esquecemos da doçura.
Esquecemos que ela é escolha.
Por isso gosto tanto desse texto de hoje, do Caio Fernando Abreu. Porque ele me lembra que a vida exige alguma intencionalidade, não pode ser deixada a esmo. É fácil esquecer. É fácil se encher de tudo e de todos, cair na rotina, espalhar sarcasmo e amargor. Fomos treinados para vestir uma couraça. Alguns mais, outros menos, mas fomos.
Fomos ensinados a não mostrar vulnerabilidade, não ser bom demais, bobo, inocente, bocó. O mundo é dos espertos, nos disseram. E nós caímos nessa.
O mundo é de quem sabe aproveitá-lo, do nascer do sol à noite de segunda-feira. E não só aos fins de semana.
A gente esquece. Esquece que a vida não é só agenda, meta, boletim de ocorrência. A vida é bilhete na bolsa, é música que toca e te faz parar no meio do caminho só pra sentir.
A vida é um bolo queimando no forno, um filho que te interrompe, um amigo que te chama com voz de urgência só pra contar um sonho bobo.
A gente endurece. Começa a achar que ternura é desperdício, que afeto é fraqueza. E se protege tanto que vira pedra. Mas pedra não sente. Pedra não sorri no meio do expediente por lembrar de uma memória boa. Pedra não treme quando ouve o nome de alguém que ama.
Por isso, às vezes, é preciso reaprender. Reaprender a desejar bom dia com alma, a comer devagar, a ouvir sem já pensar na resposta. A elogiar mais do que criticar. A parar, sim, no meio da pressa, só pra olhar o céu e dizer: ainda bem que existo.
A vida não vem doce de fábrica. A doçura é arte manual — mistura rara de intenção, presença e generosidade. E é por isso que hoje eu repito, como reza, como lembrete, como encantamento: Que seja doce.
Mas que seja, sobretudo, porque eu fui. Fui doce no olhar, mesmo quando o mundo parecia azedo. Fui doce na palavra, mesmo quando a resposta pronta era amarga. Fui doce no toque, no riso, na ausência.
Afinal, vida só é doce se a gente for também.
Doçura não se espera.
Se oferece.
Sejamos doces, então.
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🎒 Somente para lembrar.
🌞 Adoei essas tirinhas!
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Texto lindo!!! Sempre bom lembrar de ser intencionalmente.