"Pra se conhecer melhor"
"— É que, pra se conhecer melhor, é preciso puxar alguma outra coisa, de outro lugar.
— Você quer dizer que não é possível compreender corretamente a si mesmo sem acrescentar alguma outra coisa, um terceiro elemento?
— ‘Terceiro elemento’?
— É. Ou seja, pra entender claramente a relação entre A e B, você precisa olhar de outro ponto de vista, um ponto de vista C. Fazer uma triangulação— expliquei.
Mariê pensou um pouco e encolheu de leve os ombros.
— Pode ser. […]
— É por isso que nós precisamos das pinturas.
— Sim, por isso que nós precisamos das pinturas. Ou dos textos, e das músicas, desse tipo de coisa”.{Haruki Murakami, em 'O Assassinato do Comendador - Volume 2'}
Toda vez que se olha nos olhos, tudo que você pode ver é um fragmento seu. Um reflexo num vidro frio, uma foto numa superfície dura, um momento já perdido no tempo e no espaço.
Você não pode se ver sorrindo às 3 da tarde de uma segunda-feira qualquer, só porque tropeçou na rua. Você não pode se ver franzindo a testa, concentrado num romance policial, ou emocionado por um poema lindo. Você nunca pôde, nem poderá, ver todo charme de filme francês que há nos seus pequenos gestos, no seu balé cotidiano, na linda bagunça que você faz por aqui.
E se por fora é assim, se tudo que você pode conhecer é só uma parte sua, filtrada, fragmentada, mal exposta em espelhos difusos, flashes estourados e pixels borrados, o que dirá por dentro?!
Tudo que temos é o mesmo processo: de ver os nossos reflexos - e não à toa esta seção se chama “Reflexão”. Mas onde está o nosso ser esperando para nos espiar de volta?
Na arte, nos diz Murakami.
É pelas músicas que amamos, pelas frases que copiamos, pelos livros e filmes aos quais voltamos, que vamos tecendo todo o nosso modo de ser - ou pelo menos de nos ver.
Minha mulher sempre diz que me conhece muito pouco. Embora estejamos juntos há 18 anos, ela não sabe nem o meu sabor de sorvete favorito, por exemplo. Que dirá meus sonhos mais intrínsecos, minhas verdadeiras vontades, minhas venturas, meus medos...
Para ser justo, ninguém sabe, esta é a verdade. Até porque isso faz parte do meu jeito de ser. Mas ela saberia, se acompanhasse um mapa de mim: as rotas desenhadas pelos meus filmes, pelos discos, pelas poesias que me movem e comovem.
Ela saberia todos os meus segredos e degredos se lesse, com cuidado, meus romances de Clarice e meus contos de Caio Fernando Abreu. Se ela acompanhasse com os dedos as frases que eu sublinhei, se entendesse as canções que eu murmurei, se visse com atenção as cenas todas dos filmes que eu vi… Aí… Meu Deus! Teríamos que nos separar então.
Porque seria como se ela tivesse lido a minha alma inteira: cada canto, recanto e espanto. Eu me sentiria virado todo do avesso. E é insuportável ver alguém assim. Exceto nós mesmos.
Por isso, é nessa busca que vou. É para me ler que eu leio cada livro, ouço cada música, vejo cada filme. Na adolescência, eu esperava encontrar uma obra que me encantasse e explicasse inteiro.
Depois, frustrado por não achar, até pensei em escrevê-la. Mas como? Como se a cada dia sou outro?! Hoje, sei, que não estou inteiro em parte alguma. Nem aqui. Mas que na coletânea de tudo que amo, na galeria do que me arrebenta e arrebata, nos retalhos de poesias e clipes, eu posso me encontrar, mais achado do que perdido.
E você?! Também se sente assim?!
Também consegue se encontrar e se explicar através da arte?
Então, me diga, por favor: em quais obras você mais está?
Se você me contar as suas, talvez eu te conte as minhas.
Quem sabe assim nos (re)conheceremos, então. Que tal?!
🌿 Eu tatuaria uma imagem assim, para refletir as florestas que há em mim.
🪷 E eu ficaria horas vendo esse vídeo. E também os outros da galeria, claro.
😽 Esse é o som que faz um gato.
🙀 E esse é o som que fazem vários gatos caindo.
🖼 Uma imagem vale por mil palavras? Então, clique aqui, vire as páginas do livro, escolha a imagem que mais chama a sua atenção e receba a recomendação de uma leitura que servirá para você. Isso é que é cruzar gostos. (Em inglês).
4. Mandar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Sua contribuição garante a continuidade desse processo de busca, encontro e reflexão. Sejamos espelhos alheios, então.