"Pra quando o carnaval chegar"
“Eu vejo as pernas de louça
Da moça que passa e não posso pegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Melado de maracujá
Tô me guardando pra quando o carnaval chegarE quem me ofende, humilhando, pisando
Pensando que eu vou aturar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida
Duvida que eu vá revidar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegarEu vejo a barra do dia surgindo
Pedindo pra gente cantar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada
Abafada, quem dera gritar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar”.{Chico Buarque, em ‘Quando o carnaval chegar’}
O trem.
É o trem o que me marca mais. Porque se eu fechar os olhos, até o seu cheiro eu consigo sentir. E é simbólico que eu escolha logo ele para exemplificar o que quero dizer. Porque um trem é sinônimo, ao mesmo tempo, de liberdade e prisão. Ele vence distâncias, claro, mas só faz isso se permanece nos trilhos.
E aquele trem não tinha trilhos. Era de brinquedo, reluzente, em preto, vermelho e dourado. Um trem que rodava à pilha e - me disseram - soltava até fumaça! Eu ganhei de Natal e quis logo experimentá-lo. Maaaaas:
“Não, Vinícius! Essa parte da fumaça é muito complicada para você. Pode ligá-lo, se quiser, mas sem a fumaça! Precisa colocar óleo, não sei… Não tem como… Só quando você for maior”. Disse a minha mãe, soprando a própria fumaça do cigarro.
Sem o óleo, o trem era só um brinquedo bobo de criança. Uma gerigonça de rodinhas mecânicas e luzes vermelhas que, de tempos em tempos, parava, apitava e fazia um esforço inútil para soltar uma fumaça que não existia. Que nunca existiria.
De vez em quando, eu lembrava dele. Tentava de novo.
“Não, Vinícius! Tem que ler o manual e eu não enxergo essa letrinha”.
“Eu leio, mãe!”
“Tem que ser um óleo especial decerto”.
“Não! Olha só, aqui diz que pode ser de cozinha!”
“Imagina a lambuzeira! De jeito nenhum. Quando você for maior”.
O trem quebrou antes disso.
Quando eu estava maior, eu mesmo tratei de desmontá-lo, tirando parafusos, desengatando umas partes e quebrando outras. Eu queria o motorzinho dele para uma experiência que vira na TV. A hora havia passado. O trem havia partido sem jamais cumprir aquele seu pequeno propósito: soltar sua fumaça para eu ver.
Era sempre assim.
O trem é um exemplo só.
As roupas boas eram para sair. (Mas quando a hora de usá-las chegava, estavam pequenas). Os brinquedos legais eram para guardar. Eu era muito descuidado e só deveria pegá-los quando fosse maior. (Quando crescia, eles já eram infantis demais). As bolachas boas eram para quando viesse visita. (E quando as visitas chegavam, elas já haviam vencido).
A felicidade nunca era para mim. Eu era desastrado demais para ela. Afobado demais. Pequeno demais. Gordo demais, para que ela me coubesse direito. A felicidade era adiada. Primeiro por ela. Depois por mim mesmo.
Eu lembro dos planos que eu fazia na adolescência. Escrever, trabalhar, beijar alguém, encontrar o amor. E lembro também, não sem dor, como esses planos nunca me cabiam. Como sempre vinham com um “quando”.
Escrever quando tiver um computador.
Trabalhar quando sair de casa.
Beijar alguém quando emagrecer.
Encontrar o amor….
Bem, este último… nem quando o carnaval chegasse.
Até porque o carnaval também não era para mim. Eu era tímido demais. Quieto demais. Gordo demais. Feio demais. Com espinhas demais na cara para querer sair por aí. Quando eu me transformasse inteiro, daí, talvez, pudesse sair.
Quanto tempo eu perdi com os quandos até entender?!
Quantas vezes eu ouvi esta música e pensei em todas elas: Quando o carnaval chegar, ele vai continuar sendo o mesmo. Ele não sabe ser de outro jeito.
Porque eu também não sabia.
Eu estava tão desacostumado à felicidade que, quando ela vinha, eu não sabia aproveitá-la. Continuava achando que ela não era para mim. Colocava a danada em uma caixa e a deixava para depois. Para quando a felicidade vencesse, mofasse ou não me coubesse mais.
Mas se um trem me levou a isso, um estojo de aquarelas me descarrilhou.
Porque eu lembro de ter pensado um dia: quando eu me aposentar, vou fazer um curso, aprender a pintar e então vou comprar um estojo profissional de aquarelas. Eu nunca havia sequer tocado em um, nem nos escolares, mas achava linda demais toda a técnica envolvida.
E então uma voz em mim falou assim: mas e se eu morrer amanhã?! Vou morrer sem nunca ter experimentado?! No mesmo dia, encomendei as tintas. Elas chegaram e eu pintei. Sem curso, sem aposentadoria, sem talento, principalmente.
Mas a satisfação que eu senti, veio como teria vindo a do Vinícius de 7 anos ao ver o seu trenzinho soltar fumaça, mesmo lambuzado. Veio porque eu merecia aquela felicidade simples, de misturar a água ao pigmento, de vê-lo escorrer pelo papel e se mesclar a outra cor... Veio porque eu havia entendido, finalmente, que felicidade não se guarda para depois. Que não tem época certa, idade certa, tamanho certo para ser feliz.
Eu sei que a vida nem sempre é fácil. Eu sei que às vezes nos sentimos presos, frustrados, desanimados. Eu sei que há muitas coisas que podem nos impedir de ser felizes. Mas eu também sei que há uma força dentro de nós que nos faz seguir em frente. Que nos faz buscar o nosso melhor. Que nos faz sonhar e realizar.
Eu quero que você saiba que você não está sozinho nessa jornada. Que você tem em mim um amigo, um companheiro, um copiloto. Que você pode contar comigo para te ajudar, te informar, te divertir. Que você pode me falar sobre os seus planos, os seus medos, os seus desejos.
Eu quero que você se lembre de que a felicidade não é algo que se espera, mas que se vive. Que ela está nas pequenas coisas, nos gestos simples, nas cores com que pintamos. Que ela não depende de ninguém, mas de nós mesmos. Que ela não tem hora, nem lugar, nem medida.
Eu quero que você se sinta livre para ser quem você é. Para expressar o que você sente. Para fazer o que você gosta. Para pintar o seu carnaval de aquarela, com ou sem talento. Os trens partem, conosco ou não.
Por isso, eu quero que você seja feliz. Agora. Aqui. Comigo.
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