"Pela beleza do que aconteceu"
“De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás”{Na voz de Ney Matogrosso, em ‘Poema’}
Outro dia, assisti a um vídeo em que uma filósofa contestava esta ideia de que a humanidade vive hoje o apogeu de sua evolução. Para ela, trata-se de uma falácia, uma vez que o que evoluíram foram as ferramentas, não necessariamente o ser humano.
Talvez - dizia ela - um romano conduzindo uma biga pelas antigas ruas de Roma tivesse mais presentes os ideais de fraternidade, de empatia, de bem comum do que alguém hoje, ainda que pilotando um foguete.
Os exemplos não faltam.
Falamos muito em evolução, mas boa parte da humanidade ainda padece pelas barbáries da fome e da guerra. Estamos cada vez mais consumistas e cada vez mais consumidos também. Li, inclusive, uma reportagem sobre como trabalhamos muito mais hoje do que um servo na idade média. Nunca os índices de depressão e ansiedade foram tão altos. O que significa, diante disso tudo, a tal da evolução?!
Não sei. E não quero seguir esse caminho de generalidades. Sou míope, meu olhar é para perto. Por isso, pensei em aplicar a mesma teoria a nós dois aqui.
Acreditamos, piamente, que nossa versão atual é a melhor que conseguimos construir com aquilo tudo que nos aconteceu, não é?! Até dizemos por vezes: “Eu queria ter 18 anos de novo, mas com a cabeça que eu tenho hoje!”.
Como se essa cabeça, essa mentalidade nossa, fosse o mais longe que conseguimos galgar nos montes da vida.
Mas será?!
Será mesmo?!
Ontem, enquanto eu caminhava, uma música me disse que não. Isso porque ela começou a tocar e me fez cruzar, então, o tempo e o espaço. É. ela me fez voltar várias casas e, de repente, um Vinícius bem mais antigo caminhava ao meu lado.
A música tem esse poder, não tem?! Essa magia de nos colocar de volta, mesmo que por um momento, em outra época da nossa vida. De repente, a gente lembra… A gente lembra das pessoas, dos nossos gostos, dos cheiros, das cores, de tudo daquela época. O coração chega a disparar, porque ele também lembra.
Ele lembra das vezes em que cantarolamos aquela melodia baixinho, para sobreviver, ou cantamos o refrão a plenos pulmões, em busca de mais, de uma explosão de vida.
Ah…
Bons tempos aqueles.
Tempos em que éramos mais livres, mais fortes, mais potentes e com menos amarras. Touché! É isso. Aprendemos muito, eu sei. Vivemos lutos, separações, decepções. E isso tudo nos deu uma couraça, não foi?! Aprendemos a sobreviver. Aprendemos a não nos desesperar. Aprendemos sobre a continuidade da vida e suas renovações. Isso é um ganho, sem dúvida.
Mas nos altares dessa evolução, também sacrificamos muitas vezes a nossa inocência, nossa esperança, nossa leveza. Perdemos uma espontaneidade, perdemos uma ousadia, uma inconsequência muito necessária.
Sabe, de mãos dadas com aquele Vinícius que a música me trouxe, de repente eu percebi que não sou tão evoluído assim. Que não é em todos os casos que sou hoje minha melhor versão.
Eu não queria voltar aos 18 com a cabeça que tenho hoje. Deus me livre de passar por aquela juventude de novo. Não. O que eu queria mesmo era estar hoje, aos 36, com a fé na vida que tinha lá atrás. Com a expectativa, com a empolgação, com a determinação meio burra - burra mesmo, porque era inconsequente - que eu tinha e que me motivava a coisas que hoje eu não tento mais.
Como diz a canção: “De repente, a gente vê que perdeu/ Ou está perdendo alguma coisa/ Morna e ingênua/ Que vai ficando no caminho”.
Para ser clichê: é uma perda irreparável.
Aquela crença de ser imortal e imbatível, aquela expectativa de que a vida vai começar a qualquer momento, de que a mudança virá e de que ela será tão irresistível quanto nos romances e na TV, isso nos abandona.
Não há lamento, porém. No lugar, surge a tal maturidade. Muito útil na vida adulta. Eu diria até necessária. Ainda assim, quem disse que essa versão séria, um pouco cínica e até blasé é nosso apogeu?!
Notem que, seguindo a música, o caminho vai se tornando escuro e frio. Iluminado só pelo que aconteceu há minutos atrás. Por esse passado, tão próximo, tão palpável, que qualquer música consegue despertar.
No fim das contas, talvez a vida seja essa dança no lusco-fusco daquilo que fomos e o que nos tornamos, uma caminhada ao lado de memórias que insistem em nos acompanhar.
Não podemos retornar ao passado, é certo, mas podemos carregar conosco o que ele nos ensinou – sem as amarras, sem as perdas definitivas. O passado não precisa ser uma sombra que obscurece o presente, mas sim uma chama que ilumina os caminhos que ainda podemos trilhar, sem que a dureza da maturidade apague a luz da nossa essência.
E se, ao invés de nos conformarmos com a ideia de que esta é a nossa melhor versão, nos permitíssemos redescobrir a ingenuidade, a paixão e a esperança que deixamos no caminho?
Porque, no fundo, a vida pode ser sobre resgatar partes de nós mesmos, com a coragem de quem já sabe o que perdeu e a liberdade de quem ainda tem muito a encontrar.
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