"Para escrever"
“São duas da madrugada, levantei para escrever, não conseguia dormir. A culpa, mais uma vez, é deste caderno. Antes, eu esquecia rápido o que acontecia em casa; mas agora, desde que comecei a anotar os eventos cotidianos, mantenho-os na memória e tento compreender por que se produziram”.
{Alba de Céspedes, em ‘O caderno proibido’}
Vai parecer exagero, eu sei. Mas posso dizer com toda certeza que poucas coisas até hoje mudaram tanto a minha vida quanto a descoberta da leitura e da escrita.
E não, não estou falando sobre ser alfabetizado.
Estou falando sobre o momento em que abri um livro e me deixei arrastar por ele. O momento em que descobri que as palavras continham em si mundos inteiros para se explorar. E não só mundos formados por lugares distantes, estranhos ou imaginários. Mas mundos subjetivos mesmo, abismos seguros por dentro de nós.
Conhecer Clarice me arrebentou inteiro e desta explosão eu construí quem sou. Fui fazer Jornalismo, depois Letras. Cursei Mestrado e Doutorado em Literatura. Tudo porque, um dia, abri um livro desta mulher.
Então, não é exagerado dizer que minha vida foi moldada por isso.
Mas se a leitura me seduziu, a escrita me arrebatou.
Tomando o poder das palavras, eu fui capaz de encontrar em mim refúgios, florestas, cavernas densas e casas de espelhos. Com a escrita, eu atravessei desertos e naveguei os mares revoltos que só existem dentro de mim.
A palavra me deu força, propósito, braços para tocar os outros, tão distantes os outros.
Mas uma coisa me intrigou nisso tudo. Uma pergunta que começou a nascer em mim na época em que aprendi a escrever todos os dias, enquanto o sol se punha.
E ela só veio porque eu notei que, com a escrita, a minha vida ganhava outros tons, outra atmosfera, outra densidade sutil, que eu até então não conhecia. Mas afinal, foi a escrita que mudou a minha vida, ou foi a vida que moldou e mudou a minha escrita?
Em outras palavras: a escrita intensificou tudo em mim, ou foi a minha intensidade que me levou às letras?
Eu nunca soube responder.
Até agora.
Esta semana, a resposta me chegou completa, inteira. E veio de longe.
Veio da Itália, de 1962. Veio pelas palavras de Alba Céspedes, autora de “O caderno Proibido”. Veio pela Literatura, claro. Porque ela é a chave das minhas portas todas.
Para você entender, neste livro, uma mulher que se julga comum, uma secretária, mãe de dois, dona de casa, esposa - chamada de “mamãe” pelo marido -, compra um caderno, meio que por impulso. Um caderno no qual ela passa a anotar secretamente os seus dias, seus sentimentos, suas reflexões.
Isso pode parecer simples, pueril até.
Ela mesma se sente boba, como uma menina com seu diário.
Mas, por Deus, como tudo muda então!
De repente, Valeria - e este é o nome dela - percebe que a vida passa a ter outra intensidade. As coisas que antes eram esquecidas, os detalhes que pareciam irrelevantes, as angústias que eram rapidamente abafadas pelo cotidiano, agora encontram seu lugar dentro da escrita. E isso muda toda a sua forma de viver.
“Não se pode escrever nada com indiferença”, afirmou Simone de Beauvoir. E, de repente, descubro com Valeria que o fato de saber que a vida se tornará escrita faz com que não se possa viver nada com indiferença também.
Entendem?! Não é que, na hora de escrever, pintamos a vida como se ela parecesse mais intensa. É que, de fato, na hora de viver aprendemos a ir para outra camada. Uma camada mais literária, eu diria. Uma camada que se sobrepõe ao cotidiano, ao comum, ao banal.
Quando escrevemos sobre a vida, usamos outras lentes para viver, vemos tudo mais de perto então. Analisamos gestos, insignificâncias, olhares até. Habitamos páginas, não dias.
Para ser prático, imagine que lá no começo eu dissesse que você precisaria escrever um resumo desta news, para me entregar, valendo nota até. A sua leitura seria a mesma que foi?! Ou, por acaso, você prestaria mais atenção aos detalhes, tentaria extrair outras camadas, leria novamente, teria um olhar mais crítico quem sabe…
É assim.
Quando sabemos que vamos precisar escrever sobre algo, nossa atenção se modifica. Seja uma palestra, um filme, um livro, não sei. O que dizer da vida então?! Quando sabemos que ela vai se tornar texto depois, ainda que ninguém mais leia, vivemos com mais paixão, mais intensidade, mais prazer. Eu sei. Agora eu sei.
Se quiser experimentar isso, compre também o seu caderno proibido. Experimente tomar nota dos seus dias, das suas transformações internas, daquilo que só seu travesseiro conhece nas noites de insônia. Experimente se derramar em páginas e, juro, a vida vai começar a transbordar de repente.
Como agora.
👶 Esse site usa inteligência artificial para ajudar você a nomear um projeto, um livro, uma marca… o que você quiser. Basta informar as palavras-chave e ver a mágica acontecer. (Eu pedi para ele nomear este sentimento relacionado à vida ficar mais intensa por causa da escrita. O resultado: Literessência. Amei!)
👓 Amo as possibilidades da vida.
🦬 Esse monólogo me derrubou um pouco.
📖 E agora, numa pegada super filosófica, deixo este vídeo aqui.
Para quem quiser a tradução: “Isto é o que eu imagino quando alguém diz: era inevitável. Uma série de linhas e pontos, em que cada ponto é uma decisão que você tomou, uma conversa que você teve, uma pessoa que você conheceu. E cada linha te leva para o próximo ponto. E não importa o quanto estes caminhos se espalhem, eventualmente eles se encontrarão em um único ponto. A partir daí, eles se separam de novo. Assim é como eu imagino que o destino se parece.”
4. E por falar em transbordar, se quiser ajudar este pobre bardo financeiramente, fique à vontade para doar qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Eu agradeço demais. 🤎
Bombou no Insta esta semana: