"Para eles, trabalho era consertar alguma coisa ou criar algo útil"
"Para os pais, as fotos — e o trabalho de Mia de maneira geral — eram menos encantadoras. Nem mesmo chamavam o que ela fazia de “trabalho” ou de “arte”, o que, na opinião deles, teria sido igualmente grave. Para eles, trabalho era consertar alguma coisa ou criar algo útil; se não tivesse utilidade, não entendiam por que alguém faria aquilo. “Arte” era algo que as pessoas com muito tempo livre e muito dinheiro faziam. E dava para culpá-los? […] Os dois trabalhavam com as mãos, trabalhavam muitas horas, economizavam tudo o que podiam e investiam na casa, nos dois Buick e nos dois filhos […]. A praticidade corria em suas veias. Não desperdiçavam nada, muito menos tempo".
{Celeste Ng, em ‘Pequenos incêndios por toda parte’}
Uma vez, ouvindo a entrevista de uma escritora, fiquei surpreso quando ela disse que em sua casa, durante a infância, havia 6 ou 7 livros só.
Lembro de ter desviado os olhos do computador e de ter visto livros por toda parte. Não só nas estantes, onde eles deveriam estar, mas também em pilhas perigosas sobre a CPU, em caixas no chão, nas gavetas que quase não fechavam, no guarda-roupa, sobre a cama…
Imagine… Uma casa com 6 ou 7 livros só.
Mal completei o pensamento e percebi, chocado, que na minha casa de infância não havia nem isso. Além da Bíblia, o único exemplar existente era uma brochura de “O grande conflito”, distribuído gratuitamente por uma igreja na época.
Meu pai era caminhoneiro, lia estradas, sinais de trânsito, quilometragens. Lia o tempo que levaria para chegar daqui a qualquer lugar e acertava sempre.
Minha mãe era dona de casa, lia qualquer pingo d’água que eu derramasse no chão da cozinha, lia minhas inseguranças, meus medos, e gritava-os todos de volta para mim.
Só.
Os livros chegaram comigo.
E invadiram tudo.
Quantas vezes eu ouvi: “Não fica lendo demais, Vinícius! Não presta! Nem pros olhos, nem pra cabeça! Tu ainda vai ficar louco de tanto colocar ideia na cabeça! Não tem outra coisa pra fazer, não!? Não tem tema? Fica aí perdendo tempo com essas bobagens... De que adianta?! Eu não sei pra que comprar livro. Coisa mais inútil. Leu a história e depois? Já sabe o que acontece. Perda de tempo e dinheiro, isso sim!”
E ouvir esse tipo de coisa não foi o pior, sabe?!
De algum modo, eu aceitava que era assim mesmo. Que eles não entenderiam e tinham lá seus motivos para isso.
O pior foi eu não ter percebido há tempo que o pensamento deles era o que imperava na minha cidade também (com exceções, claro!). O pior foi o tempo que eu perdi tentando ser reconhecido como escritor aqui, tentando convencer de que os textos que eu escrevia — e que ninguém entendia, porque não eram receitas de bolo, nem poesias gauchescas —, eram literatura também.
Eu quis tanto ter meu trabalho valorizado. Chamado de trabalho ao menos… que me submeti a uma série de humilhações para isso. Foram anos… Meu Deus, como eu demorei para perceber… Para abrir mão dessa expectativa minha. Para me conscientizar de que eu não precisava falar com quem não queria ouvir, não precisava impressionar quem não tinha parâmetros sequer para entender o que eu fazia. Que eu podia simplesmente ultrapassar fronteiras. Assim, com um post, uma news, um texto. Um texto que encontra você. Você que sabe do que eu estou falando. E que eu não preciso sequer impressionar. Porque, eu sei, compartilhamos do mesmo amor. 💜
🌸 Você já parou para pensar no poder e na influência da arte na nossa vida?!
🌊 Porque, sério, fazer isso daqui não me parece uma perda de tempo…
🌿 Muito menos isso. Que visto assim, acelerado, até passa a impressão de ser rapidinho.
🌹 No fim, é preciso lembrar que toda arte é um processo, um caminho.
💚 Bônus: para não me esquecer de que nem todo mundo entende, nem o caminho, nem o resultado, fiz esse vídeo.