“O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede.”{Luiza Neto Jorge, em ‘O poema ensina a cair’}
Tenho ouvido, por todo lado, o chamado da poesia.
Tenho sentido falta de escrever, de sentir, de me deixar cair.
Foi pela poesia, afinal, que eu comecei a costurar sentimento e palavra, aos 8 anos de idade, numa agenda rosa da Radical Chic, que meu pai ganhara num posto Esso.
“Minha princesa, minha rainha, venha ser minha gatinha” dizia o refrão daquilo que eu chamei de minha primeira canção. Ela não veio, claro. Mas ali eu aprendi a cair de amor. E aprendi que se ama sempre sozinho, platonicamente, quando se faz poesia.
Ali, eu aprendi que amamos, no fim, as quedas - porque são elas que formam os poetas. E era isso que eu queria ser: poeta.
Eu nunca fiz terapia.
Mas os poemas me ensinaram a cair.
Cada amor frustrado, cada briga em casa, cada vontade de fugir ou morrer, rendia mais uma canção, desta vez na minha agenda escolar.
Aos 15 anos, eu ganhei um concurso de poesias na minha cidade. Mas a sagração já viera tempos antes, quando minhas colegas pediam minha agenda emprestada para copiar o que eu escrevia. Aquela identificação, aquela conexão, aquela habilidade de encaixar palavras organizadas em sentimentos bagunçados era meu dom.
Fazer e ler poesia me ensinou a viver.
Me ensinou a não desesperar.
Me ensinou a transformar o caos e a dor em melodia.
“O poema ensina a cair” e isso me ajudou demais porque eu estou sempre a muitos metros do chão.
Nesta semana, recebi a indicação de dois podcasts portugueses sobre o assunto.
Um, feito por um homem, outro, por uma mulher.
Ouvi ambos e que diferença…
O homem usa a poesia como desculpa para falar de si. Para mostrar como é bom e culto e inteligente. Ele, todo lido e cheio de referências, cita Shakespeare como quem respira, aliando o poeta inglês a teorias sobre o humor e a sociedade. Quando chama algum convidado, é para se tornar ainda mais pedante e complexo, comparando o tamanho da sua erudição com a do participante, coitado, que estica seus versos ao limite para render-lhe, quem sabe, alguns centímetros a mais.
A mulher… Ah, a mulher… Ela usa a si como desculpa para falar de poesia. Ela, toda corajosa e forte, desfia versos e vivências para ilustrar subjetividades, para ensinar a cair pelo sentimento, pelo movimento. Quando chama alguma convidada - ou convidado - é para que esta traga sua vida e suas referências, para que aprendamos todos juntos.
A poesia ensina a cair e eu aprendi muito mais com ela do que com ele.
Não quero entrar na armadilha de dizer aqui que existe uma escrita masculina e uma feminina. Mas quero estar sempre ao lado da queda, dela, que é do gênero feminino enquanto palavra: A poesia.
Quero continuar a escrever de roxo em agendas rosas, quero a Radical Chic como plateia e as meninas que copiavam meus poemas na escola como inspiração, como lembrete de que nos conectamos sempre pelo sentimento, não pela exibição.
A poesia, como mulher que é, conhece todo o ciclo da vida, da dor ao renascimento. É ela quem sussurra sobre a beleza das quedas, lembrando que cada voo é um verso que se completa. A poesia ensina a cair e, mais vezes ainda, a levantar. Um homem não poderia fazer isso. E não foi à toa que os meninos gritaram “Menininha nova, menininha nova…” quando eu errei de banheiro no meu primeiro dia na escola.
A poesia é feminina, é a coragem de sentir, de se abrir, de se entregar. É a arte de transformar o ordinário em extraordinário, de fazer o coração falar. Ela é a Radical Chic que testemunha, a caneta roxa que escreve, a agenda rosa que guarda os segredos e os sonhos de quem ama, de quem vive, de quem, pela poesia, se encanta e através dela sobrevive.
🎙️ Desde o título, estou a recomendar esse podcast aqui!
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Obrigada pela menção honrosa 😁 aquilo ali nos teletransporta, né? Vamos pra outro universo!