"O lugar do amor"
"Tenho medo de uma coisa: de que o medo ocupe na nossa vida o lugar do amor".
{Svetlana Aleksiévitch, em 'Vozes de Tchernóbil'}
Ontem foi domingo de Páscoa.
E garanto que isso significou para você algo bem diferente do que costumava significar, não?!
Na infância, havia algo diferente nessa data para nós. A expectativa pelos chocolates, a magia das pegadas no chão de casa, o cheiro de amendoim torrado... Tudo isso, sim. Mas havia também outro tom no ar. Um tom mítico, grave, de mistério.
Na minha cidade, por exemplo, havia a procissão com o Corpo de Cristo, o que dominou muitos dos meus sonhos e pesadelos. Havia a solenidade, o silêncio da Sexta-feira Santa… Havia sentido.
Agora, parece que crescemos e deixamos de acreditar. Não só nos coelhinhos, mas no próprio mistério. Há medos reais demais no ar. Medo das guerras, dos vírus, do preço das coisas no mercado, do poder dos loucos e dos loucos no poder. Medo.
Diante de tudo isso, qual é ainda o lugar do amor?
Pergunto a você, mas sei. Sei que deixamos o medo ocupar o protagonismo no espetáculo dos dias, mas sei também que se olharmos bem, no fundo de tudo, ainda está o amor.
Recebi mimos de alunos e colegas. Chocolates, cartões, palavras bonitas. Num mundo de tanto medo, alguém pensou em mim. Fez espaço para o amor.
Fiz pegadinhas de giz no chão da casa. Torrei amendoins. Escondi chocolates. No olhar maravilhado da minha filha, vi o amor e naquele momento tudo ficou bem. Sem guerras, sem vírus, sem loucos.
Ainda há lugar para o amor, acredite. Especialmente se a gente começar a dar mais importância para ele do que para o medo. Se a gente conseguir, no pequeno, no simples, no delicado, manifestar carinho.
Posso parecer inocente, eu sei. Tolo até. Mas é na tolice que cabe o amor. É na inocência de quem acredita, apesar de tudo, em coelhinhos, em dias sagrados, em ressurreições e salvamentos, que está a possibilidade de outro mundo.
É na distração que fazemos lugar para o amor. Distraídos venceremos.
🃏 Lembrei hoje desse texto da Clarice, lindamente interpretado pela Aracy Balabanian. Precisamos de mais bobos assim para o amor crescer.
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E você?