"O cara com o charuto e as asinhas tem o saco de magias"
Tem coisas ali que podem mudar sua vida.
"Existe uma musa, mas ele não vai cair do céu e espalhar o pó de pirlimpimpim criativo por sua máquina de escrever ou seu computador. Ele mora no chão. É um cara que fica no porão. Você tem que descer até lá, e precisará mobiliar o apartamento para ele morar. É preciso fazer todo o trabalho braçal, e tudo isso quanto a musa fuma charuto, admira os troféus que conquistou no boliche e finge ignorar você. Você acha isso justo? Eu acho. Mesmo que o tal sujeito-musa não pareça nada de mais e não seja de conversar muito (o que costumo receber do meu são grunhidos mal-humorados, a menos que ele esteja trabalhando), é dele que vem a inspiração. É justo que você faça todo o trabalho e queime a cachola até altas horas da noite, porque o cara com o charuto e as asinhas tem o saco de magias. Tem coisas ali que podem mudar sua vida. Acredite em mim, eu sei."
{Stephen King, em 'Sobre a escrita'}
Cara pessoa,
Escrevo-te estas bem-traçadas linhas, meu amor, enquanto um raio de sol penetra no meu escritório e faz vibrar os livros todos na estante. Alto-falantes invisíveis tocam Bach. Há no ar um aroma de capim-limão, de um óleo essencial que eu gosto de usar na hora de escrever. É assim todo dia, essa paz, essa tranquilidade, esse ar inspirador, enquanto me sento em frente a um MacBook Pro e escrevo como quem respira.
Só que não.
Na verdade, aqui a máquina de lavar está batendo não só a roupa, mas também uma competição de som com todos os cachorros da vizinhança. Alguém escuta sertanejo a algumas casas de distância, alto o suficiente para parecer que a dupla de cantores está aqui ao meu lado. E eu não gosto deles. Há mosquitos no ar e o cheiro do veneno que mais acaba comigo do que com os insetos. Da cadeira de roupas ao meu lado, acaba de cair o moletom que tirei há pouco, arrastando com ele a pastinha do meu Chromebook. Miha cabeça dói, meu café esfriou. E eu preciso confessar que passo metade do tempo sem saber se estou fazendo a coisa certa. Tanto aqui quanto no Insta.
Para você ter noção, essa é a quarta citação que eu penso em usar. E ainda não sei se vai ser a definitiva. Ela me parece errada para hoje, como todas as outras antes dela. No fim, sabe, não importa. Vou terminar com a mesma sensação de sempre, algo entre o “foi o que deu pra fazer” e o “eu poderia ter feito muito melhor”.
É isso a inspiração para mim. É por isso que ler a descrição que King faz dela é tão acolhedor. Porque escrever não é parecido com os filmes. Não envolve um copo da Starbucks, um casaco longo e uma caminhada apressada pela Quinta Avenida, até um pub charmoso de música suave.
Escrever envolve insegurança, frustração, insatisfação e o sentimento de que algo na obra sempre ficou aquém do que a gente sentiu, do que a gente pretendia colocar no papel ou na tela, do que poderia ser.
E por que continuar, então?!
Porque esse trabalho é o que muda tudo. É o que, por alguns minutos, me faz sair do porão, sendo musa também, para poder alcançar algo de sagrado, algo que é muito maior do que eu mesmo, que faz o coração de quem me lê vibrar, faz seu sorriso aparecer, faz até lágrima rolar.
A musa é chata, de personalidade forte, ranzinza e turrona. Ela obriga a gente a fazer todo trabalho e nunca se dá por satisfeita. Nunca acha que estamos à altura dela ou do seu amor. Espere… Estou descrevendo a musa ou a minha mãe?! Já não sei. O que sei é que, apesar de tudo, é pelo toque dela que somos quem somos: criadores, musas imperfeitas também, carregando a inspiração por aí na fumaça do charuto, muito mais do que no brilho do glitter.
🌅 Eu amo esse tipo de arte aqui, que dá vontade de pegar um papelão e fazer também.
🤏 E esse, que mostra como pode ser delicado e simples criar espaços inspiradores no nosso dia a dia.
🌱 Por fim, esse desenho todo amorzinho aqui pode até parecer clichê, mas foi nele que eu pensei quando li sobre as tais magias que existem nessa musa chamada arte. Há sementes ali. Então, ouça seu chamado.