“Poesia é a luz que fica com você depois que você se desenterra da tristeza. São as longas conversas à beira-mar. Poesia é o primeiro floco de neve no inverno. O cheiro de biscoito no forno. Poesia é sexo. Euforia. Como brigamos e como fazemos as pazes. A jornada. A história. Correr e gargalhar. Gargalhar e correr. Poesia é a vontade de uma pessoa e o eco de bilhões. Nossa sobrevivência é poesia. Nossas vidas são poesia. E o ato final é colocá-la no papel”.
{Rupi Kaur, em ‘Cura pelas palavras’}
Esta citação me pegou.
E eu poderia falar sobre cada frase dela.
Sobre como essas palavras ecoam em mim.
Eu poderia falar sobre quantas vezes escrevi chorando, especialmente na adolescência. Se não fossem aqueles textos, eu não estaria aqui. As palavras me deram contorno, fizeram com que eu não me perdesse, não enlouquecesse, não me matasse.
Escrever sempre foi, para mim, confessar minhas vergonhas, organizar minhas ideias e lamber minhas feridas. Eu não fui a psicólogos, psiquiatras, não fiz terapia - embora precisasse. Mas encontrei entre verbos e substantivos uma forma de me colocar em dia. Uma maneira de dar sentido a tudo que eu passava e pensava.
Nossas vidas são poesia.
Diz Rupi Kaur. E eu não poderia concordar mais.
Tenho em mim rimas de dor e sobrevivência. Versos de “não” e de transparência.
Tenho metáforas bonitas e sinestesias abrasadoras.
E tenho as palavras para tudo isso, claro.
As palavras que completam e reinterpretam a minha vida.
Somos as histórias que contamos. Repeti sexta-feira ainda, para os meus alunos.
Somos as palavras que escolhemos manter e as que escolhemos matar.
Eu estava, então, em uma aula de redação e pensava no quanto é difícil libertar essa escrita em quem não tem a prática.
Seja para o ENEM, para um vestibular, seja para não se matar, a escrita se defende, parece. Ela se esconde, ela evita a luz, ela foge da gente, pelo menos no começo.
E depois também, pensando bem.
Eu, por exemplo, estou escrevendo um livro neste instante.
Um livro difícil. Um livro que me destroça. Um livro que me desafoga.
Um livro que me liberta, mas que também pode me fazer ser preso - literalmente.
Estou escrevendo um livro neste instante.
Estou no início, no fim e no meio, como cantaria Raul.
Estou nele inteiro, em cada página, cada vida, cada vírgula.
Mas no papel, até agora, ele não tem nem uma palavra.
Nossas vidas são poesia. E o ato final é colocá-la no papel.
De toda a citação da Rupi, esse final foi o que me pegou mais. Porque ecoou com o que li enquanto estudava para trabalhar redação:
“Se você tem medo da página em branco, é porque entendeu tudo errado. A escrita não começa na página em branco, ela começa bem antes”.
Sönke Ahrens, em “Como escrever boas notas”
Quando a Literatura entrou em mim, eu me deixei contaminar totalmente por ela.
Dentro da minha cabeça, uma voz passou a narrar cada segundo do meu dia, como se eu fosse um personagem:
“Ele então digitou aquela frase e já se arrependeu dela imediatamente. Tudo poderia ser menos clichê, se ele tivesse mais tempo. Se pudesse polir o que escreve. Mentira - pensou - ele não é dado a joias polidas, é dado a pedras brutas e tijoladas. Que fiquem os clichês como pedras de rua facilitando o caminho. Ao pensar nisso, ele olha para a rua mesmo, pois escreve fora de casa hoje. Está quente, quase, quase choveu há pouco. As pedras são irregulares, mal colocadas, tem inço brotando entre as frestas. Mas não importa. Elas continuam sendo um caminho. As palavras dele também. É por elas que ele vai. Mesmo tropeçando. Vai porque é o único jeito de chegar a algum lugar. De encontrar alguém. De encontrar você”.
Era assim o tempo todo.
E eu sinto falta disso.
Hoje, penso que esta voz era uma maneira de ficcionalizar a minha vida. Entende?!
Ao mesmo tempo em que me dava uma distância dela, porque me fazia personagem, também tingia com cores de poesia um mundo que era muito bruto e muito só.
Na época, quando eu chegava à página em branco, todos os meus textos já estavam prontos. Bastava transcrever o conteúdo que havia pavimentado minha mente já.
Foi assim que eu aprendi a escrever. Foi assim que eu cheguei ao ponto que mais me rende elogios: a forma como eu consigo colocar em palavras o que eu sinto (e você também, lembremos a Rupi: “Poesia é a vontade de uma pessoa e o eco de bilhões”).
Ensinar isso não é fácil.
Esta voz me deixou, aos poucos.
O caminho, no entanto, ficou em mim.
A rua entre a vida e o papel. A via entre eu e você.
Mesmo assim, meu livro não tem nem uma palavra escrita até agora.
E ele é difícil porque toca a minha história inteira, da mãe que me abandonou àquela que me odiou. Do psiquiatra que entregou um bebê a uma paciente à teia de mentiras e histórias que se formou naquele ato. No papel, nada. Em mim, está quase pronto. Porque eu vivi tudo isso.
Nossas vidas são poesia. E o ato final é colocá-la no papel. Mas não se engane. O papel não é o fim. É o começo. É o meio. É o caminho. É o que nos leva a outros lugares, outras pessoas, outras histórias. É o que nos faz poetas. E o que nos faz humanos.
🌊 Que poema é esse?!
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Bombou no Insta esta semana:
Este texto me tocou muito, porque a escrita também me salvou durante a adolescência, quando era um rapazinho muito introvertido e não sabia falar de sentimentos, a não ser quando transbordava na escrita. Infelizmente, perdi quase todos os poemas-desabafos dessa época, e hoje sigo quase sem escrever com esse objetivo de auto descoberta, ou exploração da vida interior. Admiro muito seu trabalho aqui e ando compartilhando com amigos muitos de seus textos. Espero que sua comunidade de leitores cresça e que seu livro vá para o papel, sendo esse o seu desejo. Um abraço!
Sempre leve e profundo este moço! A escrita também me curou, me cura. Avante com todas as letras!!