"Não pode ser que eu tenha que morrer"
“Aquele exemplo de silogismo, que ele aprendera na lógica de Kiesewetter: ‘Caio é um homem, os homens são mortais, portanto Caio é mortal’, pareceu-lhe, durante toda sua vida, correto somente em relação a Caio, mas de modo algum em relação a ele próprio.
Aquele era o Caio ser humano, o homem em geral, o que era inteiramente justo; porém ele não era Caio, nem o homem em geral, mas sempre fora algo totalmente, totalmente especial, diferente de todos os outros seres. Ele era o Vánia, com mamã, papá, com os brinquedos, o cocheiro, a babá, com todas as alegrias, tristezas e entusiamos da infância, adolescência e juventude. Era de Caio aquele cheiro da bola de couro listrada, de que Vánia gostava tanto? Era Caio quem beijava a mão da mãe? Era para Caio que sussurrava assim a seda das pregas do vestido da mãe? Era Caio quem esteve tão apaixonado? […]
Caio é de fato mortal, e está certo que ele morrerá. Mas para mim, Vánia, Ivan Ilitch, com todos os meus sentimentos, pensamentos - para mim, a coisa é diferente. E não pode ser que eu tenha que morrer. Seria horrível demais!”
{Lev Tolstói, em 'A morte de Ivan Ilitch'}
Haverá uma segunda qualquer em que você não receberá a minha news.
Simples assim.
Um de nós não estará mais aqui. Depois o outro. Por fim ninguém.
Haverá um dia em que até a lembrança de que já estivemos será apagada. E tudo bem porque esse é exatamente o movimento da vida. Já aconteceu antes. Ou você por acaso sabe o nome da sua tataravó?! E de quem veio antes dela?!
Se mesmo as raízes se perdem na memória do tempo, o que esperar de nós, que somos frutos?
Que deixemos sementes!
No último sábado, participei do encontro do Clube do Livro da sensacional Tati Fadel. Por lá, discutimos essa novela de Tolstói. São umas 70 páginas de história só. Mas que potência! Passadas as aparências iniciais, cai-se na profundidade de Ivan Ilitch e na sua consciência de que vai morrer.
“Esse livro foi uma facada no estômago!” disse uma das participantes. E eu entendo o porquê. É porque lendo a gente toma consciência de que morreremos também. Assim como o Caio do silogismo. O Ivan do livro. O próprio Tolstói. Autor de ambos.
Mas o que fazer dessa consciência?
Podemos aproveitá-la para viver tudo que há para viver, para nos permitir, como canta Lulu. Ou podemos nos deprimir e achar que, então, nada vale a pena. Podemos até nos sentir aliviados. Se todo mundo morre, então um dia aquele nosso mico da quinta série será esquecido, finalmente. Ufa!
Eu aproveito para fazer as pazes com a vida. Para entender o meu papel nela, enquanto estou aqui.
“A vida é cheia de cor e cada um de nós chega e acrescenta a sua própria cor no quadro. E embora o quadro não seja muito grande, você tem que perceber que ele continua para sempre, em todas as direções. […] Não existe morte. Não tem você, ou eu, ou eles. Somos só nós. Essa coisa desleixada, selvagem, colorida e mágica que não tem começo e nem fim. Isso bem aqui… Acho que somos nós”
This is Us
Como escrevi no Instagram hoje, eu tenho consciência de que sou só uma cor nessa grande tela. Mas enquanto pinto, quero ser a melhor cor possível, deixar o quadro mais bonito, onde quer que eu esteja. Quero ser um bom amigo, um bom professor, um bom pai, um bom escritor, um bom ser humano. No miúdo, não no grandioso.
Quero fazer a diferença com um e-mail nesta segunda em que ainda estamos vivos. Com uma gatinha recolhida do asfalto. Com um elogio para alguém que está tendo um dia meio merda. Só isso. Essas são as minhas sementes. E é por semeá-las constantemente, é por manter sempre em mente que cada lugar precisa ficar melhor depois de eu sair dele, só porque eu passei ali, que minha consciência se abranda e eu posso dizer que estou pronto. Seja a hora que for.
Estou pronto para a tinta acabar quando tiver que acabar, porque sinto que pintei minha parte. Nem sempre dentro dos contornos, é verdade, mas pintei e sigo pintando.
⏳ Para seguir a reflexão, que tal descobrir o que Kansas e a Beyoncé (?) tem a ver coma morte?!
⌛️ Esse vídeo é fofo demais. Ele diz que a morte é a nossa companheira mais fiel e pode nos ajudar a viver melhor.
🪦 Às vezes, a arte nos lembra de que a morte existe. Mas daí vem a vida e nos faz esquecer de novo. E se isso fosse diferente?! E se você fosse lembrado enquanto lava a louça de que a vida é breve e está passando? Esse app faz isso.
No mais, nos vemos na segunda que vem.
(ou não e tudo bem).