"Eu nunca me interessara muito pelas pessoas"
“Eu nunca me interessara muito pelas pessoas, quase não tinha amigos, fora os colegas de colégio, que eram apenas isso, colegas de colégio, apenas um conhecido ou outro com quem mantinha esporádicas conversas eletrônicas e raríssimos encontros, e, ao contrário do que minha mãe imaginava, não porque eu ansiasse e não conseguisse, mas porque eu não queria, simples assim. Para minha mãe, e não só para ela, não querer se relacionar com outras pessoas era de uma estranheza inaceitável, prenúncio de um destino assombroso, mas para mim era apenas o resultado da conclusão a que eu sempre chegava: não se relacionar dava sem dúvidas menos trabalho do que fazê-lo.”.
{Carola Saavedra, em ‘Com armas sonolentas’}
Eu acho que, a princípio, é para não nos machucarmos, não sei.
Mas é assim: quando você é criança, está aberto ao mundo e aos outros.
Principalmente aos outros.
Minha filha mesmo, chega às vezes dizendo que fez uma nova amiga na escola, no parque, na casa da avó... Mas quando eu pergunto o nome, ela nem sabe dizer. Porque não importa! O que importa é brincar e ser feliz.
Mas…
Dependendo das experiências que você tem, esses outros se tornam um território selvagem, inóspito até.
Crianças costumam ser vistas como anjinhos, eu sei, mas há na infância uma crueldade que só quem já experimentou sabe.
Aos 4 anos, eu entrei na escola.
Era uma turma em que todos já se conheciam desde o berçário. Havia ali, portanto, uma comunidade formada. Uma hierarquia. Um grupo do qual eu não fazia parte.
E o Guilherme deixou isso bem claro para mim, no tapa que me deu na cara quando eu quis brincar com eles na hora do recreio.
Um tapa - que sejamos sinceros, nem doeu -, dado há mais de 30 anos, definiu muito do que eu me tornei.
Se eu fechar os olhos agora, ainda lembro da sensação.
Lembro do susto, da solidão tremenda que eu senti, da vergonha com todo mundo rindo em volta, da minha impotência ali.
Já me aconteceram tantas coisas piores, tão piores, que eu perdoei.
Mas aquele tapa… Ele ficou cravado como o alicerce de um muro que eu venho construindo desde então.
Um muro que, no começo, foi erguido para impedir outros Guilhermes de se aproximarem. Mas que, com o passar do tempo, acabou virando uma muralha que me afastou da vida em si.
Sim, porque a vida precisa do outro, eu sei.
Mas a partir dali eu sempre me afastei.
Não sei como era com você, mas eu era a criança que as mães apontavam nos lugares e diziam: “Vai lá convidar aquele amiguinho pra brincar também, olha como ele tá sozinho!”.
Mas eu estava sozinho porque queria. Ou, pelo menos, eu me convencia disso.
Desde muito cedo, eu aprendi a ser sozinho. A cultivar minhas próprias brincadeiras, a nutrir minha imaginação, a não precisar de ninguém. Porque nem em casa havia com quem contar.
De não precisar do outro a não querer, foi um pulo.
Tanto que estar sozinho é, até hoje, uma necessidade minha.
Imposta pelos outros, pelos Guilhermes da vida, ou por mim?!
Eu realmente quis me tornar assim, antissocial, ou dizer que essa foi uma escolha minha foi um jeito de mascarar o isolamento que os outros me impunham?!
Foi o que eu precisei questionar no final do ano passado, quando fui colocado em um grupo do Whats com a minha antiga turma do Fundamental. Eles queriam combinar uma janta, como já fizeram outras vezes - e eu nunca fui.
Vendo as trocas de mensagens, as piadas internas, aquele afeto grupal, fui levado de volta aos nossos anos de convivência. E minhas lembranças incluem bullying, apelidos e agressões físicas. Incluem risadas, boladas, deboches e o quanto eu fui ficando mais e mais retraído.
Mas também incluem as tentativas deles de me integrar às vezes. Incluem o quanto muitos deles foram legais comigo e ainda são, quando nos encontramos por acaso. Incluem brincadeiras e piadas internas também.
Então, eu comecei a me perguntar: será que eu fui mesmo tão excluído assim?
Será que eu não me afastei por vontade própria?
Será que eu sofri tanto quanto eu me lembro?
Será que eu não me sentia superior aos outros?
Eu me lembro do tapa do Guilherme, claro. Mas também me lembro das vezes em que ele me chamou para jogar bola, e eu recusei. Eu me lembro das risadas dos outros, sim. Mas também me lembro das piadas que eu fiz, e que eles riram comigo.
Eu nunca fui popular, isso é fato. Mas eu também nunca fui odiado.
Eu tinha amigos. Poucos, mas tinha, como hoje.
E eles se importavam comigo, eu sei.
Eles tentavam me incluir, me entender, me ajudar.
Então, por que eu me fechei tanto?
Por que eu passei tanto tempo me sentindo solitário, amargo, infeliz?
Por que eu não aproveitei mais a vida, as pessoas, as oportunidades?
Eu não sei…
Talvez eu tivesse medo de me machucar, de me decepcionar, de me arrepender. Talvez eu tivesse muito orgulho, vaidade, arrogância.
Talvez seja uma mistura de tudo isso, mais trauma, culpa e vergonha.
Ou, talvez, eu só seja assim mesmo: alguém que vive por dentro.
Que adora própria companhia, que está tão ocupado ouvindo e conversando com as vozes da própria cabeça, que sempre precisa de um espaço só seu.
De qualquer maneira, hoje eu achei meu lugar.
Vivo bem comigo e com quem chega também.
Derrubei pedaços do muro, fiz janelas, fiz portões, cultivei jardins onde receber quem chega. Hoje, você é bem-vindo para me visitar.
Mas saiba que, no final, só um de nós fica para posar.
🙏 É preciso se lembrar disso.
💼 Inspiradora esta ideia de fotografia.
🌎 Como seria seu mundo por dentro?
✏️ E para finalizar, uma ferramenta para brincar de desenhar.
4. Contribuir com qualquer valor fazendo um pix para: vinicius.linne@gmail.com. Ou, quem sabe, me convidar para um café?! 🤎
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