"Eu não queria mais ter esperanças, essa coisa gentil. Isso que chamo de minha vida, ou o que restava dela, e não deveria ser muito porque o passeio dos dedos pelo rosto revela sulcos cada vez mais fundos, estava creio que deliberadamente reduzido àquele subir e descer escadas, mexer nas tintas, recortar papéis, pintar vidraças, enfiar contas, caminhar às vezes pelas ruas esvaziadas de gentes tarde da noite. Eu tinha escolhido assim, num remoto dia qualquer em que deixei de acreditar, não lembraria quando, e isso era para sempre tanto quanto pode ser para sempre o que por estar vivo tem um coração que bate mas, imprevisto e fatal, um dia deixará de bater. Por não querer mais depositar esperanças em nada que pudesse vir de fora, já que de dentro nada mais viria".
{Caio Fernando Abreu, em “Marinheiro”, do livro 'Contos Completos'}
Este ano ele veio.
Como todo ano ele vem.
E então nos falamos, como fazemos todas as vezes.
Uma vez por ano, nunca mais.
A propósito, eu nunca disse isso a ele, mas ele me faz lembrar Caio Fernando Abreu.
Não na aparência, é claro. Nem nos modos. E definitivamente não na escrita. Ele não escreve. Isso coube a mim.
Mas todas as vezes em que nos falamos, eu tenho a impressão de que estamos sendo escritos em um conto do Caio. Porque as frases saem prontas, mesmo que difíceis. Cheias de um amargor doce, bonito. Não sobre nós. Mas sobre a vida, sabe?! É como isso agora. Diante de tudo que eu digo, sinto que há sempre um essencial que ficou por dizer. E a Literatura do Caio é assim para mim. Ele acende velas em volta do essencial, mas não o ilumina o suficiente.
Quando ele vem, ele me lembra de que era possível eu ter ido embora também. De que eu poderia ter escolhido esse caminho repleto de aventura, de ousadia, esse mundo de quem só volta à sua cidadezinha uma vez por ano, no natal, para ver os pais e partir de novo.
Mas eu escolhi ficar. Eu escolhi a vontade de transformar tudo por dentro. Eu escolhi a tranquilidade que uma vez disse para ele abominar. Ele escolheu mudança, eu permanência.
No fundo, acho que não somos personagens do Caio, mas de Stevenson. Aquele do Médico e o Monstro, sabe?! Como se fôssemos um mesmo ser, dividido em dois. Ele ficou com a sede de aventura, a ousadia, a coragem. Eu fiquei com a segurança, os pés no chão e o desejo.
Quando nos falamos, eu percebo o quanto somos ambos incompletos.
Porque a ousadia e a sede de aventura, sem o desejo e um pé no chão, podem virar fácil o vazio e a inconsequência. Já a segurança e a vontade, sem a coragem, viram só medo e frustração.
Sabemos disso bem.
Ele era daqui. Eu não. Ele saiu, eu fiquei. Agora, quando ele volta, parece ser ele o estrangeiro. Tão diferente no jeito de falar, de se vestir, de pensar…
Ainda assim, estamos ambos em busca de alguma coisa que não sabemos nomear. E o pior é que o que encontramos não encaixa.
Ele encontrou o que só serviria para mim. Eu encontrei o que só prestaria para ele.
E nem podemos trocar. Nunca poderemos.
Será essa impossibilidade de nos sentirmos completos o que me faz lembrar do Caio?
Não sei. Sei que quando ele vem, traz notícias do que eu nunca vivi.
E eu dou a ele, em troca, notícias do que ele perdeu.
Eu não queria a vida dele, nem ele a minha.
Mas, uma vez por ano, nos encontramos e fingimos que sim.
Eu finjo que me arrependo de não ter partido. Ele finge que se arrepende de não ter ficado. Depois disso, voltamos renovados para as nossas escolhas, construindo mais um pouco do que podemos viver.
Sem certo ou errado, sabe?!
Mas cheios de esperanças que não queríamos ter.
Esperanças de que, um dia, ainda encontraremos o que estamos buscando e então, só então, seremos felizes.
🌤 Para quê se jogar no mundo se a gente pode ver o quanto ele é incrível por aqui?!
🫣 Eu sou bem assim. E você?!
🐊 Essas tirinhas (em inglês bem básico) são fofas demais!
📦 Esse tipo de dica, só quem ficou poderia compartilhar. A propósito, testei aqui e, definitivamente, foi a melhor coisa que aprendi na internet este ano.
Ah, e antes de você seguir, duas notinhas finais:
1. Estou preparando uma surpresa para a próxima edição da News. 🎁
Prometo que você vai curtir!
2. E eu agora tenho um TikTok também. Sim, me rendi. Minha coleção de favoritos da semana (para a news) me fez perceber que estou consumindo cada vez mais conteúdos em vídeo, então faz sentido que eu os crie também. Vai ter bastante material chegando primeiro por lá, então, fica o convite. É só clicar aqui.
No mais, desejo que com a chegada do final do ano você também renove suas escolhas e esperanças, por que não?! 💜
você é incrível <3