"Os grandes gostam de algarismos. Quando você lhes diz que arranjou um novo amiguinho, eles nunca fazem perguntas sobre coisas essenciais. Nunca indagam: ‘Como é a voz dele? Quais são os brinquedos de que ele mais gosta? Ele não coleciona borboletas?’. Em vez disso, perguntam: ‘Que idade tem ele? Quantos irmãos tem? Quanto pesa? Qual é a fortuna do pai?’. Somente por tais algarismos é que podem ficar sabendo alguma coisa a respeito dele. Se você disser aos grandes ‘Eu vi uma linda casa, toda de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado’, eles serão incapazes de fazer a mínima ideia da referida casa. Você deve dizer-lhes: ‘Eu vi uma casa que custa $400.000,00’. Eles então exclamarão: ‘Oh! Que linda casa!’ […] Eles são assim. Não se deve contrariá-los. As crianças devem sempre mostrar muita indulgência para com a gente grande. Mas, na verdade, para compreendermos a vida, os algarismos não têm a mínima importância”.
{Antoine de Saint-Exupéry, em “O Pequeno Príncipe”}
Eu, gente grande que sou, jamais imaginei que começaria alguma news por aqui citando “O Pequeno Príncipe”. Mas sabe o que é!? É que eu passo metade do tempo detestando os clichês. E a outra metade cometendo-os.
Foi assim então: este ano, eu quase desisti de uma das minhas turmas. Logo eu, que sou feito de três partes de paciência, duas de paixão e uma de sarcasmo juvenil (que quando bem empregado faz milagres, juro). Logo eu que não tenho problemas de disciplina. Logo eu, que acredito tanto na educação, quase pensei em desistir.
Tentei lições, sermões, esgotei meu repertório todo de inspirações e nada parecia atingir aqueles alunos. Nada parecia envolvê-los. Até que me lembrei da arma mais poderosa que conheço: a Literatura. Fui à biblioteca vasculhar as obras do PNDL (Programa Nacional do Livro e do Material Didático). Algumas ainda não haviam sido distribuídas. Porém, a única com exemplares suficientes para fazermos uma leitura coletiva era, adivinhem só: “O Pequeno Príncipe”.
Não sei se pela fama de livro de Miss, não sei se pela experiência que eu mesmo tive com ele nas aulas de Religião, quando eu era aluno, não sei… mas torci o nariz para sua roseira e sua raposa. Procurei outros livros, pensei em trabalhar em duplas, com um do Fernando Sabino… Mas desisti. Queria um livro por aluno. Voltei à primeira opção.
Ok, paciência, então.
Só tem tu, vai tu mesmo!
E nas melhores viradas, típicas das sincronicidades do Universo (ou do algoritmo-Deus, como preferir), acabou sendo este o livro perfeito. Para eles e para mim. Mal começamos a leitura e eles se jogaram com tudo.
— Professor, professor! Eu acho que sei o quem é esse tal Príncipe aí! É ele mesmo. É ele, só que quando era criança, sacou? Assim… quando ele se viu diante da morte, ele lembrou do que importava… Que era pintar, escrever, imaginar…
— É! E o planeta de onde o Príncipe veio pode ser o coração dele, né?! Tipo, é pequeno e de pedra. Minha mãe vive dizendo que a minha vó tem o coração de pedra.
— Faz sentido! Eu gostei do que ele falou da diferença entre gente grande e criança. A criança se maravilha com tudo. Tá nem aí pra marca, dinheiro essas coisas. Depois quando cresce é que fica tudo complicado.
— Verdade! Os adultos vão ficando cada vez mais sérios. Podem cuidar, os véio são tudo amargo.
— E o que deixa a gente amargo, pessoas?
— Sei lá, psor! As decepções, eu acho. As tristezas da vida. Quem a gente vai perdendo no caminho…
— Ter que pagar boleto!
— Hahahahaha.
Enquanto eles todos falavam e compartilhavam histórias e riam, percebi que a crise não era comportamental, era subjetiva. Faltava-lhes subjetividade. Faltava-lhes príncipes e caneiros. Faltava-lhes quem os escutasse no que importava.
Enquanto eles teciam suas próprias interpretações, percebi como tudo isso faltava para mim também. Eu estava preocupado com aprovações, notas, recuperações… Estava ali, todo amargo, com eles e com a vida, quando aterrissou em plena sala de aula o meu próprio Pequeno Príncipe.
Mexendo em tudo, riscando o livro com minhas canetas coloridas - que só são coloridas para corrigir provas -, um pequeno Vinícius veio saber como eu me tornei tão sério e chato assim. Como eu me rendi mais aos índices e às normas do que aos anseios e sonhos daquela turma diante de mim.
De repente, eu percebi minha irritação com eles e com tudo. Com essa época do ano. Com a chegada do meu aniversário, Natal, fim de ano e toda essa alegria forçada, sabe?!
Mas forçada por quê? Perguntou ele, meu pequeno Vinícius.
Falei então da perda, das responsabilidades, dos boletos. Falei dos Natais de antigamente, com meus avós, meu pai… Contra os de agora. Citei até Clarice Lispector “O adulto é sempre triste e solitário. A criança tem a fantasia”… Falei, falei, falei… E ele não me ouviu, ocupado que estava desenhando borboletas pela sala.
Eu queria ficar frustrado, com raiva, ou triste até. Mas ele me deu uma das canetas. A roxa. Ele ainda se lembra - pensei. Desenhamos borboletas juntos então. E eu pude, por alguns minutos, deixar que ele assumisse o comando. Que ele me levasse para o seu planeta e me mostrasse que, apesar dele ser pequeno, rochoso e quase-quase deserto, ainda existe a possibilidade de uma rosa nascer ali.
E se há uma rosa, sempre haverá a necessidade de mais e mais borboletas.
Que possamos colecioná-las juntos, de vez em quando.
Vai fazer bem a você lembrar-se disso também. Eu garanto. 🦋
👧 Esse vídeo da Jout Jout nós assistimos juntos. E rendeu, viu?!
🥗 Esse reels (em inglês) me fez rir e pensar. Se mudamos tanto em tão pouco tempo, o que esperar de uma vida toda?! Amei a moça dizendo: Eu não sou a mesma pessoa que eu era às 5h30min desta manhã, quando preparei minhas refeições para o dia. A eu das 5h30min tinha toda intenção de ser uma rainha saudável e hidratada. Ela estava cheia de esperança e positividade tóxica. A eu das 12h15min já viveu algumas coisas, ok?! A eu das 12h15min já entregou sua vida nas mãos de Deus pelo menos umas três vezes! Ela precisa de tacos e margaritas! Ela precisa de pizza!
🌿 No mais, deixe-se renascer! Como nessa arte.
💃 Permita-se dançar apesar dos problemas te esmagarem. Como nessa aqui.
🪅 E veja a vida como uma criança veria. Ela é mágica!
Pequeno príncipe é tão supervalorizado que é comum causar certo desgosto por quem não se apegou a obra - eu sou o mesmo haha. Gostei bastante das interpretações de seus alunos, nunca pensei na maior parte delas. Em minha casa, esse livro é um marco de interpretações: minha mãe acredita que o livro seja romântico e o príncipe retorna a sua flor, enquanto minha irmã mais nova afirma categoricamente que ele morre haha. Beijos e boa semana para ti!