"Como será que é se sentir confortável na própria pele?"
{ Angelo Surmelis, em 'A perigosa arte de ser invisível’}
Há frases nos livros que são como buracos negros para mim.
Frases que me absorvem de um jeito… a ponto de eu perder toda gravidade e me sentir sem chão.
Com esta foi assim.
Bastou eu ler: "Como será que é se sentir confortável na própria pele?" para eu ser sugado pelo tempo e pelo espaço. Para eu estar outra vez caminhando pelo asfalto, na chuva, enquanto ouvia nos fones uma música que falava de mim e me fazia sentir exatamente como na letra: um verme.
“When you were here before | (Quando você esteve aqui)
Couldn't look you in the eye | (Não conseguia te olhar nos olhos)
You're just like an angel | (Você é como um anjo)
Your skin makes me cry | (Sua pele me faz chorar)You float like a feather | (Você flutua como uma pena)
In a beautiful world | (Em um belo mundo)
I wish I was special | (Eu gostaria de ser especial)
You're so fucking special | (Você é especial pra caralho)But I'm a creep | (Mas eu sou um verme)
I'm a weirdo | (Eu sou um esquisitão)
What the hell am I doing here? | (Que diabos estou fazendo aqui?)
I don't belong here | (Eu não pertenço a este lugar)I don't care if it hurts | (Eu não ligo se isso machuca)
I wanna have control | (Eu quero ter o controle)
I want a perfect body | (Eu quero um corpo perfeito)
I want a perfect soul | (Eu quero uma alma perfeita)”{Radiohead, em ‘Creep’}
Na época, eu ouvia essa música sem parar, sempre cantando junto.
E todas as vezes, também, meu olho marejava. Porque eu sabia como era ser um verme. Eu sabia como era me sentir rejeitado, nojento, asqueroso de verdade. Eu pensava, na época, que se eu pelo menos eu mudasse… Se eu conseguisse emagrecer, se mudasse minha pele, meu cabelo, minha voz… Tudo em mim, enfim, daí talvez eu merecesse ser visto, merecesse ser tocado…
Daí, talvez, eu merecesse até ser amado…
Quem sabe?!
É. Eu me sentia um monstro. Porque foi assim que eu aprendi a me olhar desde pequeno. Eu aprendi cada defeito meu da pior forma possível: ditado por quem deveria me amar incondicionalmente (pelo menos segundo a lenda das mães).
Quando uma figura de autoridade diz a uma criança que ela é feia, suja, nojenta, ela simplesmente acredita. Não há outra opção.
Mas não quero enveredar por este caminho.
Este texto não é mais um texto sobre ela.
É sobre mim.
É sobre ser um monstro, na véspera do Halloween.
“Eu sou um monstro. Eu sei disso porque todo mundo me diz isso.”
“Eu não quero ser um monstro.
Eu quero ser normal. Mas talvez isso seja impossível para mim.”“Eu me sinto como um monstro entre os humanos.
Eles me olham como se eu fosse uma aberração.”{Emil Ferris, em ‘Minha coisa favorita é monstro’}
No romance em quadrinhos da Emil Ferris, a protagonista se vê como um monstro. Como eu me via também. Como talvez você já tenha se visto.
(Embora eu espere que não).
Ao longo da sua jornada, vamos percebendo que ser um monstro é o que a torna especial. E quem quer, afinal, ser comum?! Ser normal?!
Eu não!
Quantos quilômetros eu caminhei no asfalto cantando aquela música, eu não sei. Mas deixei de ser um verme já. Outro dia, numa outra playlist qualquer, Creep começou a tocar e: socorro! Eu me arrepiei inteiro.
Porque hoje eu sou outro.
A música é boa, mas já não faz mais sentido para mim.
Ainda bem!
Neste ano, na onda do Halloween, me cobri de maquiagem para a festa da escola. Olhei no espelho e me achei lindo daquele jeito. Com os olhos roxos, sangue por todo lado, cortes de delineador por onde se pudesse ver.
Um monstro.
Mas um monstro charmoso.
Do tipo que vale a pena ser.
Eu precisei andar muito para chegar a isso.
Eu precisei de muita Literatura, de muita reflexão e até uma dose de psilocibina para me olhar com amor. Para aprender que eu só precisava mudar uma coisa na verdade: o que eu sentia por mim.
Eu tentei de outros jeitos. Eu tentei dietas malucas, exercícios, procedimentos, peelings. E nada mudou. Porque o essencial continuava o mesmo: a forma como eu me via.
Eu fazia da autoestima um cálculo matemático errado. Eu achava que mudando, eu me amaria. Não entendia que só amando é que se muda. Não percebia que a gente só consegue cuidar, cuidar de verdade, com carinho, com afeto, com enlevo, daquilo que ama.
Foi quando eu me amei, monstro e monstruoso mesmo, como me via na época, que eu pude me tornar príncipe. Primeiro por dentro. Agora por fora.
Um príncipe Drácula ainda, eu sei.
Mas é exatamente isso que faz eu me amar mais.
Ser um príncipe normal, jamais!
Por isso aquela frase do começo reverberou tanto em mim. Porque me fez perceber que hoje eu já sei como é se sentir confortável na própria pele. E espero que você também.
Mas se não souber ainda, vou repetir: a gente só consegue cuidar daquilo que ama!
Comece por aí. Abrace o monstro em você. Ele é o que há de melhor e mais perfeito em você.
Boa semana!
🐜 Recomendo demais estes vídeos do Thiago Thomé. Esse velho preto é meu companheiro de segunda. Eu lanço a news e ele dá o recado para a gente.
🕷 Eu olho para eles com carinho. Juro. E você?!
🐐 Aliás, eu queria muito!
🛸 Também queria estar aqui!
🐈⬛ Ou então com estes dois!
🦋 “Você se nega para o mundo e o mundo te nega tudo".
Que frase linda, de um post sobre a importância de ser quem se é.
4. Ooou, ainda, você pode se sentir tocado e enviar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Meu coração monstruoso agradece. 🩵
Linné, gostei de saber da sua trajetória no "ajustar-se à própria pele"! rsrsrs
Fiquei mesmo, como aspirante à terapeuta (fazendo formação em Psicanálise), foi curioso com sua experiência com a psilocibina! Experimentei, recentemente, a ayahuasca numa sessão da Barquinha (uma das vertentes do Santo Daime). Entrei na borracheira e reconheci algumas facetas monstruosas do orgulho em mim...