"Certo, você pode ter o que quer, mas não enquanto ainda quiser"
{Lionel Shriver - em 'O mundo pós-aniversário'}
“Quando não se procura, acha!” disse minha avó.
Eu devia ter o quê?! Sete ou oito anos?! Nós brincávamos de esconde-esconde, ela e eu. Esse era o clima. Mas a brincadeira havia se rompido inteira pelo meu choro desesperado: é que eu perdera pela casa a minha carteira nova! E era do grêmio ainda!
Não havia, claro, dinheiro algum nela. E eu nunca nem gostei de futebol.
Mas ela havia sido um presente do meu pai. Meu pai, que não era dado a lembranças fora de hora e que me dera a carteira antes de viajar novamente. O que eu diria quando ele voltasse? E se ele não voltasse mais? E se justo naquela viagem se cumprisse meu medo mais antigo, o de perdê-lo num acidente de caminhão?! Daí estaria perdida para sempre também a sua última lembrança.
Esse era o pensamento, esse era o tom. Naquele momento, minha vida desmoronava inteira, como só a vida de uma criança ansiosa consegue desmoronar por conta de um brinquedo perdido.
“Calma, mein herzie! Quando não se procura, acha!” repetiu minha vó.
Com o coração sábio que só uma avó tem, ela me explicou que, desesperado daquele jeito, eu não conseguiria encontrar a carteira nem se ela estivesse debaixo do meu nariz. Era para continuarmos brincando, em breve ela reapareceria.
Concordei. Mas usei um truque que você também já deve ter usado: fingi que não estava preocupado, que andava distraído, vasculhando armários e cantos escuros para me esconder, enquanto meus olhos ávidos lambiam tudo em busca da carteira.
Foi só quando me distraí mesmo, quando desisti da busca, que encontrei meu tesouro em meio às cobertas de pena. Pronto. Meu mundo se reestruturou todo. A carteira estava salva, a brincadeira também, meu pai voltaria, eu tive certeza…
Se foi a aflição, ficou a lição.
Enquanto estamos precisando desesperadamente de algo, ficamos cegos. Procuramos nos lugares errados, investimos tempo e energia onde não há nada. Enquanto isso, deixamos de viver a plenitude, de aproveitar o caminho, de prestar atenção ao detalhe.
Anos depois, a mensagem se repetiria através de um poema que nunca mais achei. Falei disso no Instagram hoje de manhã, aliás. Talvez, um dia o reencontre, se eu andar distraído que chega.
De qualquer maneira, essa frase da Lionel Shriver reverberou demais em mim esta semana. Tocou nessas duas histórias. Tudo porque recebi uma carta. Uma carta com palavras que eu morreria para ler. Só que 17 anos atrás. Chegaram agora. Agora, quando elas não são mais salvação, incêndio, perdição, furacão… São só… tinta sobre o papel.
É uma declaração, linda… Uma declaração que teria mudado minha história inteira aos 17, uma época em que eu era tão desesperado por ser amado por alguém que não era capaz de ter sequer amor-próprio. Veio agora. Agora, que eu tenho amor em mim o suficiente para derramar. Agora, que eu estou distraído demais de tudo. Agora, quando eu já havia até esquecido daquela história. Agora.
Mas se veio, que ao menos sirva de lembrança. Lembrança daquele poema. Da minha avó. Da carteira perdida. Do meu pai. Que ao menos me lembre de andar mais distraído, querendo menos e me completando mais. É assim que as coisas vêm, acho. É assim: inesperadamente, quando abrimos mão do desespero.
🪐 O post de hoje me deu uma saudade danada de outras épocas. Em que a vida era mais ou menos assim. (Lindo, né?!)
😽 E, um dia, eu sei, ela vai ser assim. Mas só quando eu parar de querer tanto essa paz.
🌫 Aiai. Expectativas, Realidade… Essa página é toda montada pelo contraste entre elas. Amei.
E você, o que está esperando, hein?!