"Até a última pétala cair"
"Tinha apenas um vestido, de chita, que ganhara do padrinho. Pouco importava que seu corpo sumisse nele. Ao vesti-lo, sentia-se a mulher mais linda do mundo. E, por isso, a mais linda se tornava. O seu brilho ofuscou as outras meninas da vila, que de tocaia, rasgaram-no e o lançaram às cabras, logo na véspera do São José. Chorou tanto que o umbu floresceu. Sua vó, então, colheu as flores e as costurou pacientemente na forma de um belo vestido branco. À noite, a festa sem lua iluminou-se com ela - que dançou sob a benção das estrelas, sorrindo até a última pétala cair”.
{Leonardo Sakamoto, em 'Pequenos contos para começar o dia'}
Desde que conheci este livro do Sakamoto, nunca mais me separei dele!
Sério mesmo! Ele fica sempre à mão, no meu box da escola. Afinal, cumpre bem todas as minhas emergências, com contos poéticos e fascinantes, cheios de sentidos a serem explorados e, melhor, curtinhos assim: bons para serem trabalhados em uma aula, caso aconteça algum imprevisto e eu precise cobrir um horário alheio.
Gosto de vários deles: a quantidade de cantos dobrados nas páginas não me deixa mentir. Agora, preciso dizer: nenhum supera este que coloquei aqui. Ele me abraça tão forte e por tanto tempo, que vale a pena explicar.
Leio a primeira linha e já gosto demais dessa menina, a protagonista. Como Clarice, eu me encanto pelas faltas, pelas Macabéas, por quem tem pouco ou quase nada de seu, por quem não cabe nas próprias roupas, mas, ainda assim, veste o mundo.
Ao vesti-lo, sentia-se a mulher mais linda do mundo. E, por isso, a mais linda se tornava.
Esse trecho é um deleite para mim. Me arrebata inteiro. Porque é isso! É isso! Tenho vontade de dizer - e em aula digo mesmo. O modo como nos sentimos sobre nós dita quanto poder teremos ou abriremos mão de ter.
Você sabe do que eu estou falando, não sabe?!
Quando você se sente linda, autoconfiante, pronta ou pronto para arrasar, tudo parece que acontece. As pessoas te notam, sorriem, o universo parece que te abraça e acolhe.
Em compensação, na manhã em que você quer sumir, em que o espelho se parte só de enxergar o seu reflexo caído e caiado, haja paciência para os desastres da vida. Tudo só explode e re-explode na nossa cara.
Não estou falando de pensamento mágico, lei da atração, nem nada do tipo. Você sabe. Estou falando, sim, sobre estado de espírito, autoconfiança e o que abala ou não abala você.
Estou falando de carisma, de sorrir para a vida e ter uma vibe, uma aura, um brilho, não sei… Aquele algo que vem quando nos sentimos bem na nossa própria pele. É algo que nos ultrapassa e passa para os outros, haja vista as meninas do conto, que se sentem ofuscadas por um simples vestido de chita (um tecido barato, para quem não sabe).
A nossa menina, coitada, chora tanto que o Umbu chega a florescer. A árvore, típica da caatinga, se confunde toda, achando que é época de chuva no Sertão.
É não!
Mas num arremedo de Cinderela (você percebe a ligação?), a avó da menina se torna fada madrinha e lhe faz um vestido de flores brancas, costurando pétala por pétala.
Que lindeza de sentido de significado. Sim, porque é assim que nossa autoconfiança se faz: pelos olhos e os olhares que recebemos.
Pode-se dizer que receber a atenção dos outros é importante principalmente porque somos afetados por uma incerteza congênita em relação ao nosso próprio valor - e, como resultado disso, o que os outros pensam de nós vem a ter um papel determinante no modo como conseguimos nos ver. [...] Se eles nos elogiam, desenvolvemos uma impressão de grande mérito. Já se eles evitam o nosso olhar, quando entramos numa sala, ou parecem impacientes depois que revelamos a nossa ocupação, podemos ser vitimados por sentimentos de insegurança e inutilidade. [...] O desprezo acentua a avaliação negativa que fazemos e nós mesmos, enquanto um sorriso ou um cumprimento rapidamente revelam o contrário. Parece que dependemos da afeição dos outros para nos suportar.
{Alain de Botton, em ‘Desejo de Status’}
Quando eu tinha 6 ou 7 anos, fiz um buquê de flores roxas e delicadas para a minha mãe. Elas cresciam em meio à grama lá de casa, mas eu achei tão lindas as suas cores, um degradê que passava pelo amarelo, rosa e lilás, que a imaginei contente e orgulhosa pelo presente.
— Mas isso é só inço, Vinícius! Joga isso fora! — Foi o que ela respondeu quando lhe estendi as flores pendendo da minha mãozinha.
Depois disso, tenho a impressão de que todo o resto da nossa história correu sempre assim.
— Mãe, mãe! Tirei nove e meio em Matemática!
— E não tirou 10 por quê?! Tempo tu tem!
— Mãe, mãe! Olha o poema que eu escrevi para a senhora!
— Aham. Mas e o tema de Matemática, tá feito?!
— Mãe, mãe! Ganhei um prêmio pela minha poesia!
— Tu andou engordando, né?!
— Mãe, mãe! A dieta deu certo! Eu emagreci 5kg!
— Aham, mas não adianta. Até os 20 anos tu vai tá bem careca.
— Mãe, acabei o Doutorado…
— E daí?! O filho da vizinha fez o dele em dois anos. E ainda foi pros Estados Unidos. Por que o teu demorou tanto?!
Enfim, o que eu preciso dizer é que eu queria tirar essa vó da história e falar a ela: Que coração tão grande a senhora tem, vovó!? E ela então me diria assim: É para te amar melhor, meu netinho!
E daí eu poderia dançar também, quem sabe. Em vez de ter crescido com vergonha de tudo. De mim, do meu corpo, dos meus passos tortos todos.
Hoje, eu já quase consigo fazer isso.
Eu quase consigo gostar de mim. Mesmo assim, sinto que esse tema, o da autoconfiança, é algo que eu preciso explorar muito ainda. Por isso, essa news, além de uma reflexão, é um convite: que tal você me acompanhar nesta jornada por aqui?!
🐓 Tenho mergulhado muito nesse clima de Sertão. Por isso, te convido para ouvir e fluir por aqui. (Dá ou não dá vontade de morrer quando dizem que não existe mais música boa por aqui?)
🐦⬛ Essa trilha linda veio de um podcast igualmente inspirado. Este episódio aqui dá o tom do que é.
👀 O que você vê quando olha para você?
🌟 E não é?! Fica a dica.
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