"Às vezes você fazia um pensamento e morava nele"
“Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava-se. Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si. Era esse o seu modo de lidar com as coisas”.
{Jeferson Tenório, em ‘O avesso da pele'}
Abra o olhar.
Era isso que estava escrito na tampa da caixinha que ela segurava entre as mãos enquanto falava comigo.
Abra o olhar.
Na filmagem, inclusive, é possível ver quando seus olhos se detêm por um instante na frase que ela não parece registrar.
Abra o olhar.
Era esse o convite da dinâmica que preparamos, a profe de Artes e eu, para nossos alunos do primeiro ano do Ensino Médio, em uma disciplina que os incentiva a praticar o que aprendem na área das Linguagens.
Abra o olhar.
Era a sexta caixinha com a mesma frase, mas esta tinha um peso diferente das outras. Isso porque, em vez de uma pintura, dentro dela havia uma série de espelhos.
Abra o olhar.
Dizia a tampa da caixa que ela fechou, imediatamente, antes de responder às duas questões propostas: O que você vê? e Como você se sente?
“Eu vejo eu mesma. E… eu me sinto… triste. Decepcionada. Sei lá! Eu sinto que odeio tudo em mim e não posso fazer nada a respeito. Não agora. Não até completar 18 anos. Eu me vejo feia. Eu sou feia. Essa não é uma imagem que eu gosto de ver, definitivamente”.
Catorze anos ela tem. Nunca será tão jovem de novo, tão cheia de vida e de possibilidades. Nunca experimentará outra vez a descoberta do mundo.
Não terá uma nova chance de perceber quem é agora.
Sua pele perderá, com os anos, a elasticidade e o viço, a textura perfeita de hoje. Seu olhar ganhará camadas, eu sei, um peso, uma tristeza, uma dor. Sua boca ficará amarga, querendo ou não, e será marcada pelas expressões de desgosto que ela fará cada vez mais.
Um dia, daqui a muitos anos, ela verá de novo este vídeo. E só então ela entenderá que todo defeito que ela vê agora não está ali, na sua imagem perfeita na tela, na sua pele de garota de 14 anos. Está no pensamento que ela criou dentro de si, como esconderijo e morada.
Só daqui a muito tempo ela conseguirá se olhar com a distância necessária para entender que só vê a ilha quem sai da ilha. E então ela irá chorar de novo, como no vídeo. Mas dessa vez pela beleza que perdeu sem perceber.
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?{Cecília Meireles, em “Retrato”}
É do Rubem Alves a frase que diz que ver é muito complicado. Que é preciso treinar o olhar. Que onde alguém é capaz de enxergar flores e uma manifestação do sagrado, outros podem perceber apenas sujeira sobre a calçada.
Ver não é mecânico, não é objetivo, não é imparcial. Ver é sempre filtrado pelo que sentimos, pelo que acreditamos, pelo que decidimos encarar como verdade. Qualquer um que visse aquela menina discordaria de cada palavra dita por ela. Ela é perfeita! - Você poderia dizer.
Mas ninguém é capaz de fazê-la perceber isso.
Só ela mesma. E, por Deus, isso vai demorar.
Eu sei porque já fui assim também - não perfeito, longe disso.
Mas eu sei porque já vi um monstro me encarando de volta no espelho.
Um monstro que hoje procuro nas fotos daquele tempo e não encontro.
Agora eu sei.
Agora eu sei como eu era de verdade: um adolescente normal, que poderia ter se jogado muito mais na vida. Que não precisava ter se escondido, se envergonhado, se coberto por camadas e camadas de autodesprezo e punição.
Agora eu sei que poderia ter aproveitado muito mais a minha juventude se tivesse pensado menos nos meus defeitos, nas minhas imperfeições, no monstro que ninguém mais via, só eu.
Moramos no que pensamos.
Agimos de acordo com o que temos por dentro, não de acordo com o que somos por fora.
Abra o olhar.
Convidava a caixinha nas mãos daquela menina.
Mais do que um convite, essa frase é uma ordem.
Precisamos abrir o olhar, enxergar além do que se vê.
Precisamos deixar de acreditar em tudo que pensamos, especialmente sobre nós mesmos. Há mais possibilidades, há mais realidades, há uma forma de ver que vence o tempo e o espaço por trás dos espelhos. Você já experimentou isso antes, eu sei. Você já olhou suas fotografias antigas e encontrou ali alguém que não via então.
Abra o olhar.
Escolha se ver com generosidade. Escolha abraçar as possibilidades.
Escolha viver tudo que há para viver, não só aquele pouco você pensa merecer.
Você merece muito mais e qualquer um - de fora - pode lhe dizer isso. Acredite nesse outro. Acredite em mim.
Abra o olhar!
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