"As pessoas não parecem felizes"
"No início da década de 1990, quando o Japão ainda vivia numa bolha econômica, um influente jornal americano publicou uma grande foto das pessoas descendo a escadaria da estação de Shinjuku no horário de pico numa manhã de inverno (talvez tenha sido da estação de Tóquio, mas não faz diferença). Como se tivessem combinado, todas as pessoas da foto que se dirigiam ao trabalho estavam cabisbaixas, com a fisionomia sem vida e sombria, como peixes enlatados. O artigo dizia: “Talvez o Japão tenha ficado rico. Mas a maioria dos japoneses está cabisbaixa e parece infeliz”. A foto ficou famosa.
Tsukuru não sabe bem se a maioria dos japoneses é mesmo infeliz. Mas o verdadeiro motivo de todos os trabalhadores descerem a escadaria lotada da estação de Shinjuku cabisbaixos, de manhã, era porque estavam preocupados com os pés, e não porque eram infelizes. Para não pisarem em falso, para não perderem os sapatos: desafio importante na gigantesca estação ferroviária no horário de pico. Não havia explicação desse motivo pragmático na foto. E, em geral, as pessoas que andam olhando para baixo de casaco escuro não parecem felizes. É claro que é possível considerar infeliz a sociedade em que as pessoas não conseguem ir ao trabalho sem se preocupar em não perder os sapatos toda manhã.”
{Haruki Murakami, em ‘O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação’}
A pessoa nasce para brilhar, não é?!
Ou pelo menos deveria ser….
Mas se alguém fotografasse você agora, neste exato instante… Ou então hoje mesmo, mais cedo, indo para o trabalho, para a escola, não sei…
O que nós veríamos?!
Veríamos alguém radiante, sorrindo pela satisfação de estar aqui, de sentir a vida pulsar em si, de experimentar o início e todas as possibilidades de uma semana nova; ou veríamos alguém que se encaixa na foto descrita pelo Murakami?!
Eu sei de qual lado eu estaria, mas não posso dizer.
Quero antes falar de Sísifo. O do mito grego, você sabe: aquele destinado a passar a eternidade rolando uma pedra morro acima só para vê-la rolar morro abaixo de novo, tão logo atinja o topo.
Olhando daqui, eu percebo o quanto nos parecemos com ele. Cada vez que a pedra atinge o cume, gritamos um “SEXTOU!” e pronto. Logo toca a vinheta do Fantástico (real ou metafórica), e este é o barulho que faz a nossa pedra rolando morro abaixo outra vez.
Já é segunda de novo. E de novo…
E eu sei lá, mas viver dois dias por semana é pouco, muito pouco para mim.
Albert Camus, escritor e filósofo, tem todo um livro sobre o assunto, que eu recomendo muitíssimo aliás. Numa das passagens mais emblemáticas, ele afirma que:
As pessoas sempre reencontram seu fardo. Mas Sísifo ensina a felicidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Este universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.
{Albert Camus, em ‘O mito de Sísifo’}
Reencontramos sempre o nosso fardo, de fato. Mas o sentido que damos a ele pode mudar, dependendo do nosso humor e da nossa disposição. Eu posso escolher, por exemplo, o que estou indo fazer na escola a cada manhã: ensinar adjetivos e suas classificações, ou tocar e mudar vidas através das palavras. Posso avaliar o conhecimento dos alunos sobre orações subordinadas, ou ensiná-los sobre a insubordinação a um sistema que os quer sempre ignorantes.
O caminho é o mesmo. A disposição não. A atitude não. A intenção não.
O modo de ver e olhar, não. E tudo é sobre isso no fim: nosso modo de ver e olhar.
Eu hoje olho para você e enxergo um sentido para estar aqui, escrevendo enquanto passo frio, em vez de dormir um pouco mais. Eu tenho a intenção de aquecer um pouquinho o seu coração. Afinal, corações quentinhos, eu sei, carregam pedras com mais disposição.
Minha news não é uma obrigação. Uma condenação semanal. É um encontro, um abraço, um ritual bonito que se repete e repete. É um caminho. E tudo é feito de caminhos, como acreditava Camus e como veem os orientais.
Enquanto aqui representamos a vida como uma linha do tempo, com altos e baixos, visando um ponto de chegada (e qual é, hein?!). Por lá, eles a representam através do ensō: um círculo.
Os ciclos se repetem na natureza.
As horas. Os dias. Os meses. As estações.
A vida é uma roda que gira até parar. E, por isso, só o que importa é o caminho. Não há um cume afinal, há o eterno recomeço. Sendo assim, o sentido não é chegar. É se divertir enquanto rolar.
Que role, então.
A pedra. A vida. Você.
🚧 Esta ilustração de Victo Ngai para o livro que abre a News de hoje se parece muito com meu jeito de olhar para a vida de vez em quando.
💛 As esculturas de Marc Perez também!
🕯 Aqui, segue uma poesia visual para você ver tudo diferente.
🧭 Pensando no tema de hoje, se você ainda não descobriu qual o seu Ikigai, sua razão de ser, fica aqui a dica de um teste. A versão mais simples é gratuita e já garante ótimos insights. O meu resultado fez valer a pena gastar algum tempo respondendo às questões.
⏳ E por falar em rolar, como um detalhe pode trazer tanta nostalgia?! Descubra aqui nessa linha evolutiva das barras de rolagem…
🌼 Esse recado aqui é perfeito para evitar que percamos o sentido de tudo.
4. Mandar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Sério: você não faz ideia do sorriso que me invade aqui quando, enquanto rolo minhas pedras, recebo a notificação de um novo pix. Ainda é muito incrível receber apoio financeiro pela minha paixão: escrever e tocar quem me lê. 💛 Então, obrigado sempre!