"Arrumar para desarrumar"
“Seis anos depois, eu entenderia que a depressão ia se imiscuindo graças a esse pensamento. Para que arrumar a cama se de noite vou desarrumar? Se a gente deixa esse pensamento vencer, fodeu, a própria essência da vida é arrumar para desarrumar. Depois, é a vez do para que ir encontrar os amigos se eu posso ir mais tarde, para que comer se eu vou cagar, para que me apaixonar se um dia desses a gente vai terminar.”
{Panayotis Pascot, em ‘Da próxima vez que você cair do cavalo’}
Quando a vida parece sem sentido, como se chama esse estado?
Perdição ou encontro?!
Pergunto porque, primeiro, me senti perdido esta semana.
Comecei a pensar na nossa aluna que se matou. Dela, segui para o meu pai. Tantos momentos, tantos planos… tanto pó e tanto tempo.
Pensei em mim, no fim. No quanto tenho trabalhado, no quanto tenho me sentido exausto. E para quê?! Se muitos outros trabalharam também e deles não resta sequer um nome escrito em um tijolo qualquer. Construímos o mundo e ele não serve para nada, bem no fim.
E então, me perguntei: se tudo desmancha, para que levantar da cama?
Para que ensinar, escrever, falar, amar?
Para que insistir?
Talvez seja isso que chamamos de perdição: quando o vazio nos parece mais verdadeiro do que qualquer promessa de futuro. Quando o silêncio pesa mais que todas as vozes que tentam nos animar. Quando a morte de uma aluna, a ausência de um pai, a exaustão dos dias se transformam em espelho do que somos: um corpo cansado tentando ainda fazer sentido.
Eu estou perdido, ou isso é o que chamam de encontro? Pensei então.
Porque é só na dor, só na tristeza, só no abismo ou no porão que conseguimos olhar a vida nos olhos. Só no escuro paramos e pensamos no que temos feito de nós mesmos.
O chão que parece desabar debaixo dos pés nos obriga a procurar outra forma de ficar de pé, outro ponto de equilíbrio. No fundo, a perdição e o encontro talvez sejam a mesma coisa: perder-se do mundo para encontrar-se na própria pergunta.
Porque quando a gente encara a vida sem maquiagem, sem distrações, sem a pressa da rotina, ela nos devolve a pergunta mais antiga: “O que você está fazendo com o pouco de tempo que tem?”.
Talvez eu não tenha respondido a pergunta, mas me lembrei da casa como metáfora para a vida.
É assim:
O porão não tem janelas. Quando você está dentro dele, não pode ver nada lá fora. Nem sequer acredita que existe um “lá fora”. Sol, grama, gente se divertindo. Nada disso é verdadeiro quando se está cercado do entulho que você mesmo colocou ali. Todas as coisas com as quais não pôde lidar. Tudo que guardou longe da luz, sem querer jogar fora. Todos os bichos que gostam da umidade e das frestas escuras. Tudo isso está no porão. E, de vez em quando, a gente desce até ele.
No primeiro andar, você tem a porta de entrada, algumas janelas. Agora, você já vê o nível da rua. Você pode entrar e sair, saber que o mundo lá fora existe. É neste andar que fica a sala de visitas. Você deixa um ou outro entrar. A cozinha está aqui também: seu modo de sobrevivência, o que é necessário para se manter funcional, bem, trabalhando e vivendo, ainda que no automático.
Quando sobre para o segundo andar, a vista é melhor. Você já consegue ter um vislumbre do horizonte, ganhar alguma perspectiva. Aqui, ficam os quartos, onde você pode relaxar, descansar, ler, ouvir músicas, sentir e dar prazer. Aqui, você pode amar e ser amado de volta.
Mas é só no terceiro andar, na cobertura, que você consegue celebrar a vida de verdade. Daqui, você enxerga o céu e o que há além do arco-íris. É na cobertura que rolam as festas, as horas de sol, as plantas que crescem e os planos também. Só quando chega neste patamar, você consegue perceber a casa como um todo. E embora não possa morar para sempre aqui, pode ao menos reconhecer como funciona a casa inteira.
Lembrei disso enquanto me perdia e me encontrava.
Lembrei que eu já havia chegado na cobertura algumas vezes e, por isso, consegui me reconhecer no porão.
É o que talvez nos salve: lembrar que a casa inteira é nossa.
O porão, sim, com seus bichos e seus entulhos, também nos pertence.
Não adianta fingir que ele não existe. De tempos em tempos, vamos acabar lá, cheios de pó nos cabelos e com as mãos arranhadas. Mas o porão não é condenação. É apenas um andar.
O perigo é acreditar que ele é a casa inteira.
Que só existe escuridão, umidade e silêncio mofado.
Não é assim.
Há sempre uma escada.
E mesmo quando não conseguimos subir sozinhos, alguém pode nos oferecer uma lanterna, uma mão estendida, uma ajuda.
A vida é isso: arrumar e desarrumar, subir e descer.
E talvez a resposta não esteja em evitar o porão, mas em lembrar que ele não é tudo. Que existe cozinha, sala, quarto, cobertura. Que a mesma casa que guarda sombras também reserva janelas e festas no terraço.
Por isso, quando a perdição parece mais real que o encontro, talvez o segredo seja não se esquecer das escadas. Porque sempre há um degrau, sempre há um jeito de subir — mesmo que seja devagar, mesmo que seja no escuro.
Vamos?!
🪓 No fundo, me senti como um desses autômatos.
💎 Fazer das miçangas coração.
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