"A música em silêncio, os sonhos dentro de uma caixa"
"Francesca imaginou que, para Robert Kincaid, esse era um assunto rotineiro. Para ela, era conteúdo literário. As pessoas de Madison Country não falavam desse jeito, sobre essas coisas. Só do clima, do preço dos produtos agrícolas, de novos bebês, de enterros, dos programas do governo e de times esportivos. Não de arte e sonhos. Não de realidades que mantiveram a música em silêncio, os sonhos dentro de uma caixa."
{Robert James Waller, em 'As pontes de Madison'}
Com quem se fala sobre a sutileza da vida? Para quem se mostram os tesouros que vamos encontrando pelo caminho? Com quem se comenta sobre o sublime que é uma folha seca em forma de coração?
Ainda há uma linguagem comum para fazê-lo?
Hoje, eu acredito que não.
Acredito que, em algum momento, eu virei uma curva à esquerda e terminei como o eu-lírico do poema de Manuel Bandeira:
Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
É isso. Eu falo de poesia e não faltará quem entenda zoofilia. Venho com ternurinhas, eles com sujeiras de todo tipo. Percebe?! Alguma coisa entre nós se perdeu. Alguma coisa se banalizou, se distorceu, se desfez.
Numa das cidades invisíveis de Italo Calvino é assim também. Por lá, todos são muito puros, muito castos, muito conservadores. Deus, pátria, família. Mas, por dentro, imaginam mil misúrias quando seus olhares se cruzam. É assim.
Há uma língua que domina essa gente. E não é a da poesia. É a da hipocrisia. É a do pecado morando por todo lado, menos dentro de si. É a linguagem do desvio, do errado, do julgamento e da condenação do outro.
E eu aqui, preocupado com folhinhas de coração e porquinhos-da-índia.
E eu aqui, declamando poesia, como as crianças, como os loucos, sem ter quem queira escutar.
Hoje, eu estou um pouco cansado. Um pouco mais desesperançoso. Um pouco cético e triste e carente, eu acho. Porque eu queria para eles coisas bonitas. Eu queria que eles quisessem literatura, arte, dignidade, postura, valorização da vida.
E eles queriam um tapete de mortos. E as piadas de um tio que vive coçando o saco.
Por isso, hoje, eu estou como quem venceu uma batalha, mas sente que não vencerá a guerra. Porque não é possível enfrentar, não de verdade, armas com flores. E eu não sei atirar. Só sei mesmo declamar poesia.
(com a esperança da delicadeza ainda)
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🍂 Achei essa ideia de uma delicadeza infinita. O que mais você poderia transformar por aí?!
🌹 Essa ilustradora, por exemplo, transformou flor em bordado. Ficou lindo!
📐 Umberto Eco foi quem escreveu que o livro é um objeto perfeito, por ter chegado ao ponto máximo do seu design. Será mesmo?! Que outros objetos você aprimoraria se pudesse?
É isso. Pensar o mundo diferente é o que me dá esperança de que, um dia, ele possa mesmo ser.