"A ideia é que a gente não tem apenas um destino. As crianças, cada vez mais novas, são pressionadas a decidir o que querem fazer na vida, como se tudo dependesse de uma única decisão. Mas, seja qual for a direção tomada, haverá altos e baixos. A gente lida com uma série de compensações e não com um rumo perfeito, comparados ao qual todos os outros seriam uma porcaria. [...] Há vantagens e desvantagens variáveis em cada um desses dois futuros que rivalizam entre si. Mas eu não queria um futuro ruim e um bom. Em ambos, tudo dá certo, na verdade. Está tudo certo."
{Lionel Shriver, em 'O mundo pós-aniversário’}
Você sabe que a minha vida é feita de letras, não sabe?!
Pois é. Às vezes, me sinto mais um ser ficcional, todo feito de papel machê, do que um ser de carne e osso, de sangue e sêmen, de pelos e nervos à flor da pele.
Às vezes, eu sou só um personagem de mim mesmo, alguém em cujas veias escorre tinta. Um que surgiu do meio de um livro qualquer, que eu abri distraído, lá pela 8ª série.
Mas aquele livro, naquele dia, mudou tudo para mim.
A partir dali, experimentei a sensação de embarcar de verdade na leitura. Experimentei a transformação intensa e insana causada pelas palavras, pelas ideias, pelas profundezas de abismo da Literatura.
Aquele dia, na 8ª série, definiu minha vida inteira.
Minha paixão, minha profissão, minha vocação e meu futuro.
Mas… às vezes…. como exercício mental…., eu me permito imaginar como minha vida seria sem aquele dia. Sem aquele livro. Sem a descoberta que de eu pertencia às letras.
Quando posso, piso e piro fundo.
Quando posso, eu viajo mesmo e digo, a quem quiser ouvir, que meu desejo mais profundo seria esse: ser analfabeto. Nunca ter lido nada, nem folhinha de igreja, nem jornal, nem versinho de beabá. Nada!
Quem eu seria então?!
Às vezes, brinco: meu erro foi ter querido ser gente. Sim, porque eu ouvia isso: que pra virar gente era preciso estudar. E muito. Hoje eu sei que é mentira. Gente não se faz de livros. Mas na época acreditei. E estudei e li e descobri tudo aquilo que há por dentro e que não se pode desver.
Às vezes, imagino quem eu seria, no que trabalharia, como viveria sem elas, sem as letras que me fundam e afundam e definem.
Se quiser, me imagino pedreiro, servente, nunca mestre de obras.
Mestre não, pelo amor de Deus.
E, claro, não quero dizer aqui que pedreiros são analfabetos. Por favor! Mas é que me imagino num serviço assim: que exigisse força. Que cansasse o corpo, não a mente. Um serviço que passasse por tudo aquilo que me é negado aqui, neste livro em que vivo: o suor brotando e escorrendo pelas costas, os músculos sendo puxados, as mãos criando calos.
Imagino o calor da meia tarde, a alegria da chuva inteira, quando a obra para. Imagino a sexta-feira, e a cerveja boa, sem culpa, sem drama. Imagino a música sem letra demais, o bar sem nome, o sexo sem significados: só gemidos e palavrões.
Não palavras. Palavras nunca.
Às vezes, eu queria tanto morar nessa outra vida que me teço, que entristeço então.
É que eu compliquei tudo demais. Eu pus muitas frases aqui, muitos pontos. Me fiz um labirinto de sentenças, de crenças, de ideias, minhas e dos outros. Criei abismos e tarde demais entendi: a ignorância é uma bênção.
Se os multiversos existem (e isso eu não pensaria do lado de lá!), existe um Vinícius assim, cheirando a suor e cimento. Feliz porque hoje é dia de pagamento. Comendo pratos de pedreiro, rindo risos de pedreiro, falando cantadas de pedreiro e assobiando quando passa alguém. Fiu-fiu.
Mas basta eu viajar demais para as palavras virem cobrar sua parte. Exigir seu dízimo: “E quem permite a você pensar isso tudo? Quem lhe deu essas asas? Multiversos, possibilidades, implicações filosóficas e tudo mais, hein?! Sem a Literatura, você não estaria pensando nisso, estaria, meu bem?!”
Não.
Elas têm razão, no fim.
Na minha versão sem elas, eu não seria eu.
Você não estaria aqui.
Nem ninguém.
Então, faço o que me resta: transformo a sensação em texto.
Literatura, sempre e outra vez.
Porque é isso que faço, é isso que sou.
Personagem de mim.
😮💨 É um pouco sobre isso.
🤩 Mas é muito mais sobre isso. E este caminho não tem volta.
🥰 Se fosse resumir a news de hoje, seria assim!
🌝 Ah, a Lua…
🥱 Post desmotivacional do dia.
👻 Gosto de como a aleatoriedade acerta às vezes.
🥸 E por falar em emojis…
4. Enviar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Afinal, é das letras que eu vivo! (Embora eu ache, inclusive, que ganharia mais como pedreiro 🤔).
"Personagem de mim" é o que somos, sim, em grande medida, Linné! Sempre desejei ser um herói, alcançar vitórias. Depois, descobri que as lutas eram mais internas, que vencer era mais superar-me... E tenho atravessado abismos, florestas escuras e desertos. Dou testemunho do poder da literatura, também, em minha vida. Ela me salvou de uma depressão, ao mesmo tempo em que me apontou o caminho das letras. Isso não é pouco! E vamos adiante com todas as letras. Avante!