"A criação mais solitária de Deus"
"Uma vez você me disse que o olho humano é a criação mais solitária de Deus. Como pode uma parte tão grande do mundo passar pela pupila e ela não reter nada. O olho, sozinho na sua cavidade, nem sequer sabe que existe um outro, igual a ele, a três centímetros de distância, tão faminto quanto, tão vazio quanto."
{Ocean Vuong, em 'Sobre a terra somos belos por um instante'}
Ser feliz é sempre por um triz.
Depende do meu olho encontrar o seu e de tudo que começa ali.
Depende deles se reconhecerem como dois irmãos, assim: famintos, vazios, não de si, mas um do outro.
Ser feliz nasce desse entroncamento de olhares.
Das coisas que pensamos enquanto nos vemos e daquelas que imaginamos depois, muito depois.
Eduardo Baszczyn, no seu melhor romance, descreve a seguinte cena:
“ELA não olha para trás. Não olha para ELE. Não há a cena do pequeno gesto. Porque virou a página do livro. Porque não levantou a cabeça. Porque continuou a viagem, concentrada em sua leitura até a pequena cidade, como havia planejado anteriormente. Não mudou o roteiro. Não entrou em uma aventura sem garantias. Não continuou naquele trem depois de uma troca de olhares. Não desceu as escadas para abrir a janela no meio de uma tempestade. Não ajudou a construir nenhuma parte das coisas que, agora, ocupam o meio de sua sala desabadas em forma de ruínas”.
{Eduardo Baszczyn, em ‘Cuidado com pessoas como eu’}
No texto, a coleção de coisas que não aconteceram começa por um olhar que não se encontrou. Um reconhecimento que não se deu, uma fome que não foi morta. A cena do pequeno gesto que não houve.
E é por isso eu sei: no fundo dos olhares é que se encontram as histórias, mais do que nas palavras, juro. Na retina que nada fixa, há uma luz desde o começo, um ponto só, uma projeção do que virá, como nas telas de cinema.
Os olhos não funcionam de fora para dentro.
É de dentro para fora que eles fazem sentido.
E é por isso que eu tenho medo de encarar o outro. É por isso que eu olho baixo, é por isso que eu leio livros, é por isso que eu me distraio, fingidamente, quando alguém vem conversar comigo.
Meu olho sabe, no fundo dele, ele sabe, de dentro do abismo sem fim que há ali, que se algum dia eu conseguir sustentar outro olhar, conseguir retribuir a luz alheia, conseguir me mostrar todo e inteiro, vou traçar uma história de queda sem volta.
De vertigens e paixões inauditas.
De Big Bang e explosões nucleares.
Porque é ali, na criação mais solitária de Deus, que abrimos as portas para nos tornamos menos sozinhos. É ali que nos encontramos. Até que enfim.
🧿 Eu já falei sobre os olhos antes.
🪶 Eles são mágicos. Dão movimento à vida.
💡 Tudo é luz e luz é tudo.
⌛️ Eu não disse?!
📝 Fechei 9 pontos de 10. (Só me faltou mesmo o título…)
4. Enviar um pix de qualquer valor para: vinicius.linne@gmail.com. Assim você faz meu olho brilhar um pouco mais - para iluminar caminhos, juro.