"A cada sucesso, uma fagulha de infelicidade"

fev 05, 2024

“Sempre lhe pareceu que havia uma dissonância entre o que desejava e o que realmente queria. Como se todo desejo viesse encoberto por uma espessa camada de autoengano, um inevitável mal-entendido. E satisfazer suas vontades ou vê-las satisfeitas nada mais era do que o prenúncio de uma queda, cada vez mais célere, cada vez mais íngreme. E assim, a cada sucesso, uma fagulha de infelicidade se imiscuía, lenta e imperceptível”.
{Carola Saavedra, em ‘Com armas sonolentas’}

Eu não sei ser feliz.
Não sei querer o que quero.
Não sei comemorar as minhas conquistas sem amargor.

Hoje, eu começo o dia sentindo um misto de ansiedade, apreensão e medo, sobretudo medo. Nenhum desses sentimentos é bom. Nenhum deles eu escolheria para uma segunda-feria de manhã.

Mas o pior é que eles são todos motivados por algo que eu mesmo criei. Por uma conquista minha, vejam só! Por conseguir algo que eu quis muito no ano passado. E minha frustração é esta. Eu deveria estar radiante!

Hoje, eu começo a trabalhar em uma escola nova. A mesma escola em que eu estudei, desde o jardim de infância até o Ensino Médio. A escola que trata como uma conquista eu ter finalmente pedido minha transferência para lá. A escola que me recebe de braços abertos, fazendo jus à frase de que devemos estar onde somos celebrados.

Hoje, eu sinto que deveria estar sorrindo, satisfeito, realizado, pleno mesmo. Eu pedi esta transferência. E ela me foi dada. Eu estou saindo do lugar em que eu trabalhei pelos últimos 10 anos, é verdade. Então, seria natural alguma nostalgia, sim… Mas não é isso que eu sinto.

E eu consigo olhar para os lados e ver a ingratidão disso. Eu não fui escorraçado, demitido, não fui forçado a mudar de escola, nem nada do tipo. Sou muito grato pelo espaço em que ensinei até então, por tudo que aprendi e pelas amizades que fiz.

Acontece que a vida é movimento. E eu senti que precisava de novas oportunidades de crescimento, novos desafios, novas chances de me testar e me superar. E eu consegui.

Então, de onde vem essa insatisfação crônica? De onde vem essa apreensão, esse medo, essa ansiedade que nubla tudo e que frustra as minhas expectativas de entrar comemorando pela porta da frente?

É a minha insegurança falando? Minha resistência? Minha autossabotagem? É a minha síndrome de impostor?! Eu não sei.

O que eu sei é que sou professor e que preciso urgentemente me ensinar a ser feliz.

Preciso me lembrar do que eu sentia quando assinei o pedido de transferência. O que eu imaginei que viria por aí. Preciso me lembrar de que o dia de hoje foi planejado por mim, foi desenhado para me ver evoluir, crescer, ser mais feliz. Foi um desejo da minha própria alma.

Eu preciso me lembrar das minhas intenções, dos meus anseios, preciso me lembrar de querer de novo o que eu já quis e que agora é realidade. Eu preciso ser feliz, desesperadamente, eu preciso.

E eu sei que não vai ser fácil. Eu sei que vou enfrentar dificuldades, desafios, dúvidas. Eu sei que vou ter que me adaptar, me reinventar, me superar. Eu sei que vou ter que lidar com as expectativas dos outros e as minhas próprias. Eu sei que vou ter que aprender a lidar com o sucesso e a felicidade, esses estranhos para mim.

Mas eu também sei que eu não estou sozinho. Eu sei que tenho amigos, colegas, alunos, que me apoiam, me incentivam, me admiram. Eu sei que tenho uma família, que me ama, me respeita, me acolhe.

Eu sei que tenho a mim mesmo, que me conheço, me aceito, me valorizo.

Por isso, hoje eu começo uma nova etapa da minha vida. Uma etapa que eu escolhi, que eu planejei, que eu conquistei. Uma etapa que eu mereço, que eu desejo, que eu quero.

Hoje, eu começo a ser feliz. E eu não vou parar.
Porque se sou um excelente professor - dizem! - sou ainda melhor como aluno.

E eu vou me ensinar a ser feliz, prometo.