“Quando se permanece muito tempo nas trevas, a escuridão transforma-se no estado normal, e a luz é que passa a ser o elemento estranho.”
{Haruki Murakami, em ‘O Fim do Mundo e o impiedoso País das Maravilhas’}
Acho que a primeira vez que pensaram sobre mim, foi que eu não deveria existir.
Minha mãe pensou isso, eu sei.
Meu pai, provavelmente, também.
Haja vista que eles fizeram de tudo para me esconder.
Dizem que se a família da minha mãe soubesse que ela engravidou - solteira, no interior, em plena década de 80 - dariam um jeito de matá-la junto com o bebê. E imaginem só o escândalo que seria para a família do meu pai!? Casado, talvez importante, tendo engravidado uma empregada?!
Não!
Eu fui feito escondido…
E fui todo preparado para me esconder também.
Não sei, mas acho que alguma coisa fica na gente das histórias que nos aconteceram. Mesmo daquelas que vieram antes de nós. Há algo entranhado debaixo da minha pele, na textura das minhas unhas, nas minhas glândulas e hemácias, nos meus folículos e testículos, algo que faz com que eu sempre procure os fundos, os cantos, as sombras.
Até a minha adoção foi feita por baixo dos panos, ocultando a vergonha de quatro vidas que se enozaram em mim. De um lado, minha mãe solteira e meu pai casado. De outro, minha mãe desequilibrada e meu pai castrado.
Foi assim que eu vim parar aqui: escondido.
Das minhas origens e da lei.
E fui treinado, desde pequeno, a desaparecer: “O que os outros vão dizer? O que os outros vão pensar?” Era isso que eu ouvia toda vez que falava alto, ria solto, perguntava minhas perguntas de criança ou simplesmente queria brincar. Minha mãe não me deixou ser e crescer, virar aquele que ergue a mão no show de mágica, quando pedem um voluntário. “Abaixa essa mão, Vinícius! O que os outros vão pensar!”.
Na adolescência, meu peso e minhas espinhas fizeram o resto: marcaram meu rosto e minha história. Chamar a atenção era tudo que eu não queria, nem podia fazer.
“Todos os dias tento encontrar uma forma de não ser encontrado” - escrevi na biografia de um blog coletivo do qual eu participei, o Febre Crônica.
Eu fui feito escondido, já disse.
Depois, fui preparado para me esconder e fiquei bom nisso.
Ou quase.
Você já ouviu falar dos peixes das zonas abissais?!
São aqueles que vivem em grandes profundidades, criaturas que aprenderam a sobreviver sem luz ou calor. Eles são feios, coitados. Até seus nomes denunciam isso: peixe-dragão-de-mar-profundo, peixe-ogro… Mas além da aparência, que justifica se esconderem tanto, eles têm outra coisa em comum: a luminescência.
Isso mesmo. Eles são aqueles peixes que você já deve ter visto em desenhos animados por aí, com uma lanterninha sobre a cabeça, gerando a própria luz.
Quando você obriga alguém a viver abaixo da superfície, quando você empurra alguém para dentro de um abismo e o mantém nas sombras por tempo suficiente, uma coisa estranha acontece: esse ser passa produzir a própria luz.
Para mim, a luz veio através da escrita.
Meu trabalho com a Literatura me ilumina.
Costurar palavras, no escuro e em silêncio, foi o que me permitiu sobreviver apesar de. Apesar da minha história, apesar das agressões, apesar da falta de ar ao redor.
Sou um ser abissal, eu sei.
Mas o efeito rebote disso foi avassalador.
Eu, que fui feito para ser escondido e para me esconder, que evito os olhares, os palcos, as luzes, passei a brilhar no escuro. E tudo que brilha no escuro se destaca.
De repente, meu nome é conhecido, minhas palavras se espalham nas redes - irradiam -, chegam a lugares em que eu mesmo nunca tentei chegar. Editoras me procuram, trupes de teatro adaptam textos meus, até na TV eu já apareci, sem nunca querer ser visto.
Nas reuniões dizem meu nome, nas formações leem meus textos, nas palestras me chamam para o palco e me colocam ali. Eu, que fui feito para desaparecer, que fui coberto de vergonhas, de medos, de traumas. Eu, que aprendi a amar as escuridões, os abismos, os cantos e os fundos. Tudo porque precisei forjar alguma luz.
Em silêncio, nas profundezas, aprendi que, mesmo quando nascemos do oculto, da vergonha e da dor, podemos nos tornar faróis para iluminar outras vidas. A Literatura, minha chama e minha febre, tornou-se o veículo pelo qual viajo das trevas para a luz.
Cada palavra que escrevo é um passo para fora do abismo, um ato de rebelião contra o destino que me foi imposto. E, ao compartilhar minha jornada, descubro que não estou só. Há outros como eu, seres abissais, que também forjaram sua luz das próprias entranhas.
Nossas histórias, entrelaçadas na tapeçaria do tempo, tornam-se um mosaico de luzes no vasto oceano da humanidade. E, talvez, o que começou como um sussurro nas sombras possa se tornar um eco através das eras, inspirando aqueles que ainda se escondem a encontrar sua própria luminescência.
Porque, no fim, não importa quão profundo seja o abismo, a luz que carregamos em nós é mais forte do que qualquer escuridão que o mundo possa lançar. E, ao emergir, não somos mais criaturas do fundo do mar, mas estrelas a navegar pelo céu infinito.
🎞️ Esse trechinho aqui, dos Simpsons, me tocou esta semana.
📽️ E o que dizer de um canal que recupera vídeos antigos e nos traz um flash de outro tempo?!
✨ Estou viciado neste perfil que transforma latinhas em arte.
🌈 Fazer a diferença pode ser avassalador.
☄️ Sobre luzes e iluminações. Adorei a reação: medo e maravilha.
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Bombou no Insta esta semana:
quem produz a própria luz tem a vantagem de não depender do holofote de ninguém.